TELHADO DE VIDRO

 




 
Desqualificar o adversário é desqualificar a si mesmo. Não há porque pensar que se é bom, dizendo que o outro é tão ruim. Se o outro é um burro de duas orelhas, não é grande a vantagem de se ter três orelhas. Basta pouco para se sentir superior ao que é extremamente ruim. Nem é preciso ser minimamente bom. Não é gigante quem se posta nas costas de anões. E existe ainda a possibilidade de que essa avaliação de que o outro é ruim esteja errada, se ela estiver errada, quem predica o outro é quem é realmente ruim. Pois não soube sequer ler as qualidades do outro. Se for esse caso, quem assim se posiciona é ainda pior do que a concepção que tinha do outro. Pois se é incapaz até de perceber o valor do outro. O título de campeão só se ganha de grandes times. Senão o campeonato é ruim: não existe emulação. Assim, não faz sentido essas afirmativas extremamente detratoras das qualidades alheias. É puro desperdício de linguagem da maldade. Para que tantas pedras se o outro já é por natureza todo apedrejado? Excesso de predicados deixa escapar os substantivos.
Leio e vejo hoje quase todos desqualificando a todos. Falando das burrices, faltas de miolos, poucas inteligências e asneiras alheias. Imagino um curral cheio de burros iguaizinhos uns dando coices nos outros. Todos se imaginando passarinhos, voando e dizendo ver melhor que os outros, com os narizes enfiados em suas bundas. Sou cético em relação à verdade. Sempre caio nas armadilhas dos discursos alheios. Disse Monteiro Lobato, se não me engano em América, que bastava ele durante alguns minutos ouvir uma pessoa e essa o convencia. Estou assim, mais para ser convencido, do que para convencer. Querendo ser advogado das palavras, geralmente sou advogado por elas. O mundo em que vivo está sempre aí a me convencer que estou errado. Já fiz um cemitério para minhas palavras e ideias mortas pelos erros. Penso, em termos e com ressalvas, como aquele mítico Sócrates elogiado por Platão em Apologia a Sócrates, que a atitude sábia é que diz que não sabe, ao contrário daqueles que não sabem que não sabem. A diferença é a ignorância consciente. Sabedoria é confissão da ignorância. Quem ignora ainda tem tudo por saber. E como disee Popper, todas nossos saberes podem ser testados e falseados. Nunca comprovados. A assunção da ignorância à condição de sabedoria é condição do próprio saber. Por isso não adoto religião, pois quero o diabinho do mundo me dizendo suas pequenas mentiras como se fossem verdades.
Enquando isso lá no curral da Beócia ninguém se acha beócio. Todos se acham! Já os áticos lá de Atenas batem suas orelhas, apontam o dedo para Tebas e riem da beocidade dos beócios. Áticos são somente aqueles que não sabem que também são beócios.
Falar desse assunto, se é que estou me entendendo, pode ser um paradoxo. Pois, quem sou eu para julgar esse xingatório geral? Admito que não há nada que indique que minhas ilusões são melhores que as dos outros. Estou no curral com os outros, mas não quero dar meus coices. E prometo que isso que estou dizendo não é um coice. Mas sim só a expressão de um desconforto diante falta de civilidade e de coerência de nosso curral. Mas acho que estou errado, então quem leu essas palavras as desconsidere. Deposite-as como estrume no chão do curral.