O dia em que não me despedi dos meus alunos

Até hoje me lembro da primeira vez que entrei numa sala de aula para ensinar. Durante muitos anos, eu trabalhei vendendo os mais diversos produtos. Por isso, não tive muitas dificuldades com meus alunos. O que eu faria naquela escola era o que eu tinha feito a minha vida toda, até então. Em vez de vender picolé ou beiju ou anúncio ou medicamentos, eu passaria a "vender" conhecimento.

Lecionar era a concretização de um sonho. Desde criança, por influência de um professor, pensei em exercer a docência. No único teste que fiz para detectar minha vocação, surgiu como resposta a carreira no magistério. Porém, a vida me levou por um caminho em que tive de conviver com uma atividade que não me satisfazia tanto, mas que deu para mim e minha família dignas condições de vida. E mais: aproveitei o rendimento dessa atividade para construir-me como professor.

Concluí minha licenciatura e não fiquei por aí. Especializei-me em Pedagogia Empresarial, pois encantei-me com a proposta do curso: educar as pessoas no trabalho, não para o trabalho. Com o tempo, percebi que os conhecimentos adquiridos nesse curso me possibilitavam muito mais. Eu adquiri ferramentas para preparar melhor os meus alunos para a vida. Conseguia transmitir a eles não só conteúdo programático, mas a noção da importância de se praticar a ética, a moral e a cidadania. Pude incutir na maioria a crença de que as boas atitudes são a base para uma vida plena de felicidade e sucesso. Demonstrei que a disciplina e o cuidado consigo mesmo e com o ambiente são propulsores para um melhor futuro.

Depois de duas décadas trabalhando, na maior parte do tempo com alunos de comunidades carentes, desisti de trabalhar em escolas públicas.

Há sete anos ensinando numa comunidade humilde de uma cidade na região metropolitana de Belo Horizonte, vivi experiências contrastantes. Vi uma escola que era constantemente depredada pelos próprios alunos tornar-se referência, uma boa referência. Vi alunos que abriam as portas aos chutes, lançavam carteiras do segundo andar, pichavam paredes e muros, gritavam e se agrediam como se fossem as atitudes mais normais do mundo.

Com o tempo, depois de muito trabalho, não só meu, mas de uma equipe firmemente determinada, a história foi mudada. Sentirei muita falta dessa convivência, do carinho que recebi dos meus alunos. Porém, ficarei livre do desprezo que é endereçado aos professores.

Desprezo vindo da prefeitura, da secretaria de educação, da grande maioria dos pais e de alguns alunos. Ficarei distante das péssimas condições de exercer o magistério, dos parcos salários, das instalações físicas precárias e do desrespeito sofrido pelo meus alunos. Que fique claro: os alunos é que não são respeitados na medida que merecem.

A situação para o estudante é tão ruim que o ensino é obrigatório. É tão ruim que existe benefício financeiro do governo para as famílias manterem os filhos frequentando as salas de aula.

Depois de uma série de decepções no ambiente escolar, infelizmente e tristemente até com colegas "professores", desisti, não suportei. Pedi exoneração em 19 de maio de 2016. Fui até à escola devolver o material com que trabalhava e alguns documentos. Encontrei-me com alguns alunos que vieram correndo me abraçar. A direção não me ofereceu uma oportunidade para me despedir dos meus alunos e não tive coragem de pedir.