Ultimamente

Ultimamente.

Ultimamente, não me reconheço ao olhar-me no espelho. O reflexo vai esvaindo-se e eu não mais frustro em não conseguir retê-lo. Em seu lugar, a penumbra. Quase breu. Eu. Olho-me agora, à vontade. Fecho os olhos, e me dirijo para o espelho, e perco-me em mim. Dançando-me.

Ultimamente, tenho sentido vontade de te falar coisas secretas. Coisas minhas, que talvez você nem queira ouvir, naturalmente ditas, rompendo o silêncio do quarto. Digo que te amo, e que sem você já não posso mais viver, coisas de quem ta apaixonada. Demonstrando-me.

Ultimamente, ando insegura. Porque já não controlo mais. Não mais. O fato de já não ser dona do meu coração me assusta. Medo ainda maior quando vejo que a razão também já me deixara à mercê dos meus sentimentos teus. Fechando os olhos, e sentindo, não me importando mais aonde chegarei com meu amor. Na morte ou na solidão. Matando-me.

Ultimamente, tenho procurado suas respostas. Encontro-as algumas vezes. Quero acreditar que as encontro. E fico feliz mesmo que essas respostas geram em mim mais perguntas, inutilmente indagadas. Silencio. Você sente, eu sei. Iludindo-me.

Ultimamente, tenho sonhado. Sonhado com um ambiente em que não me sentisse o vaso de rosas vermelhas já mortas no aparador da sala de jantar de risos forçados e de conversas vagas nunca vaiadas. Apesar de incomodar, eles ainda têm a esperança de que ela viva mais um pouco, afinal, nunca havia lhe faltado água e o lugar em que estava era ótimo. Não entendiam porque morriam. Era o vaso de flores apodrecendo em meio àquele ambiente que não odiava, mas não lhe pertencia. Combinava mais com o mofo de uma parede cheia de livros de uma sala escura, na qual as janelas raramente eram abertas. Nada no centro. Uma poltrona no canto. E ao seu lado uma mesinha de apoio coberta de papeis, uns brancos outros rabiscados de palavras, cinzeiro, e canetas. Um abajur em cima iluminando a parte que se faz necessário pela sua finalidade. Achando-me.

Ultimamente, tento não me enganar mais. E conformando-me em enganar os outros. Às vezes as rosas do vaso morrem porque a regam de mais. Afoga-se, resignada à sua natureza. Sem voz para gritar e mandar pararem, sem braços e pernas para nadar. Achando-me.

Ultimamente, depois do banho, passo creme em todo o meu corpo. E cuido dos meus braços e minhas pernas. Resignando-se à minha natureza. E canto no chuveiro. Encorajando-me.

Ultimamente, tenho passado horas tentando escrever algo para você. E sempre caio nas mesmices das frases pleonásticas românticas. Algo tão bonito quanto aquela tarde de geladinha debaixo da coberta, que não aquecia menos que você. As imagens passadas na televisão eram indiferentes diante do seu rosto sereno. Bonito. Tocava-o como que querendo gravar cada detalhe dele, e percebê-lo como um todo, cada marca de expressão. E imaginando o motivo, riso ou choro, da existência de cada uma delas. E sonhando com a repetição da mesma cena quando estas marcas tornarem-se rugas. Deitada no meu colo, ouvindo seu coração bater. Poesia. Não há palavras, simplesmente não há. Amo-te. Com todas as coisas bobas que sentimos e fazemos quando amamos.

Ultimamente, tenho voado.

Assustando-os.

thais rey grandizoli
Enviado por thais rey grandizoli em 23/07/2007
Código do texto: T576820