O desprazer foi todo meu!

Hoje eu decidi pensar em você. Fazer uma retrospectiva de todos aqueles meses em que estivemos juntos. A primeira e apaixonante troca de olhares, e a última, hoje tão desconhecida. Não passamos de meros desconhecidos que já tiveram o prazer de se conhecer muito bem. Felizmente ou infelizmente.

Fora tudo tão complicado desde o início. Muitas situações desagradáveis que pessoas desnecessárias nos fizeram passar. Ainda me pergunto o porquê de tudo aquilo cair em nossas costas e nos fazer odiar e amar ao mesmo tempo. Dois sentimentos tão opostos que caminhavam lado a lado, batiam e arrebentavam nossos corações, só pelo prazer de os ver sangrar. Tentamos limpar toda a bagunça, mas é claro que ainda sobraram algumas gotas. E elas estão por aí. Mesmo que relutemos em ver.

Tentamos acertar os ponteiros e viver uma relação apenas a dois, como deveria ter sido desde o início. E, por mais que tentássemos, nada ocorria conforme planejássemos. As coisas fugiam de nosso controle e nunca tivemos forças para estabilizar. Só as deixávamos quietinhas até um de nós a colocar dentro de uma arma e disparar. Éramos extremamente fracos emocionalmente, mas muito bons de briga.

O mundo fora feito em 7 dias, e foi esse exato tempo em que as coisas ficaram estáveis. Apenas uma vez. Depois, desmoronavam a todo o momento. Mesmo quando achamos que tudo ficaria bem, nada ficou. Perdemos as contas de quantas vezes nos magoamos e ainda não soubemos responder o porque de nos machucarmos tanto pelo passado. Nossas esperanças estavam se desfazendo com as avalanches, estávamos nos destruindo. Eu só queria ter descoberto isso antes de ter o feito tarde de mais, muito tarde.

Depois de tanto insistir, entreguei o meu corpo ainda intacto ao seu. E ele nunca foi cuidado como deveria. Mas eu relevei. Afinal, nos amávamos. Lutávamos contra tudo e todos para ficarmos juntos. Fomos contra nossos princípios, nossos valores e nossa própria mente que há muito tempo já dava sinais de que nós dois, realmente não éramos para nós. Quando jogamos para escanteio todos os que nos empatavam, tínhamos certeza de que as coisas começariam a dar certo. Mal sabíamos que era um de nossos maiores erros da vida. Erros ou escolhas? Fica o questionamento.

As discussões, que já eram frequentes, foram se intensificando a ponto de se tornarem insuportáveis. A sua voz aumentou, o seu dedo apontou para mim, as ofensas se fizeram presentes e os olhos em fúria já eram mais comuns que um “eu te amo”. Esse último forçado e dito da boca para fora em 90% das vezes. Sentimos muito, nós sabemos.

Lembro-me de quando viajamos para o litoral e ficamos 24 horas por dia na companhia um do outro. Mesmo contra minha vontade, e com um pressentimento ruim, eu fui. Achei que essa nossa fuga seria maravilhosa para acabar com os nossos problemas e finalmente deixar o amor aflorar. Mas, foi ali mesmo que você me agrediu fisicamente pela primeira vez, e, infelizmente, não foi a última. Não fora algo tão brutal, mas eu ainda sinto meu pulso se contorcer com a força de suas garras e o meu corpo despencar contra a cama. Foi a primeira e última vez que pediu desculpas pelos seus erros. Todos os outros que foram cometidos por você, teve o ímpeto de revirar a culpa em cima de mim. E eu, infelizmente, os assumi. Desde então nunca mais me senti segura. Retifico, eu nunca me senti bem com você.

Numa noitada em que saímos para beber, você encheu o meu copo uma porção de vezes de sua cerveja favorita até fechar o bar –que também era o seu favorito-. Fomos para a sua casa e eu me lembro de deitar com a sua camisa, que eu usava como pijama, e dormir. Mas, na manhã seguinte, ao acordar e sentir uma dor quase que insuportável, descobri que havia sido violada. Não lembrava de nada e, após uma discussão mais do que feia, assumi novamente uma culpa que não era minha. Agora eu sei que suas justificativas para tal foram infundadas. Baseadas numa porcaria de ideologia que cresceu ouvindo. Sinto em lhe dizer, mas elas não são mais válidas.

A profissão que escolhi, não era boa para você. Disse inúmeras vezes que não iria sustentar nenhuma coitada. Minha família, mal queria ver. O dinheiro que eu não tinha e você esbanjava nutrindo-se de coisas materiais, eu economizava para usar quando realmente precisasse. Você dizia que o fato de eu não usar maquiagem me tornava menos mulher. Repreendia-me quando usava um shorts que mostrava minhas coxas, dizia que sua família não estava acostumada, mas sequer se importou se a minha ligaria para o seus dois braços fechados de tatuagem com os desenhos mais mórbidos que já vi. Mas, eles eram seus, não meus.

Minhas amigas? Vadias, más companhias. Meus amigos héteros? Pobres drogados que queriam me comer. Meus amigos gays? “Aparelho excretor não reproduz” Negros? Todos vagabundos. Empatia pelos menos favorecidos? Nenhuma. Dinheiro? Para você, tudo.

Os meses foram se passando e o inferno nem parecia tão abominável perto do que nossa relação era. Você terminou. Duas semanas depois nós voltamos. Estava diferente, mais calmo e tranquilo. Brigamos apenas uma vez. Mas eu jamais esqueci tudo de ruim que fizeste para mim. A última vez em que acordei ao seu lado já tinha certeza de que não o amava. Você e sua família me mandaram embora de sua casa. Chamaram-me de louca e disseram-me que precisava me tratar. Eu era um monstro sem coração e não merecia ficar ao lado do filho tão “bom” que tinham. Filho este que agredia uma mulher, mas nunca soube se defender e sempre preciso do socorro da mãe.

Hoje, após quase dois anos em que eu ressuscitei minha alma, saí das profundezas de uma relação catastrófica e finalmente aprendi que não existe nada melhor do que o amor próprio. Estou em paz comigo mesma. Todos os sentimentos bons que eu tinha por você sumiram num passe de mágica. Minhas preces foram atendidas. Estou livre, finalmente. Sorte que nos encontramos apenas uma vez nesse tempo todo. Eu sou imensamente grata por tudo o que aprendi depois que você saiu da minha vida.

Muito obrigada!

Mas, foi um desprazer muito desnecessário te conhecer.

Priscila Czysz
Enviado por Priscila Czysz em 08/10/2016
Reeditado em 08/10/2016
Código do texto: T5785490
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