Reflexões sobre o amor

Calha dizer, espectador, que o som do pássaro não o representa-o por completo, mas ainda assim insistimos, nós humanos, nessa estúpida metonímia. Talvez seja nossa ineficácia em nota-lo por inteiro, pois uma vez que o som trafega pelos ares e pousa em forma de ondas nas dobras de nossos tímpanos, suas penas, em contraparte, são camufladas pelas folhas que lhe servem como abrigo, e o torna algo como turvo. Então, como bons homens, catalogamos seus assobios em nossas mentes e passamos a jurar que o conhecemos, que o pássaro, em si, é propriedade de nosso conhecimento. E sinta a estranheza desse parágrafo, por favor, que daqui narro para ti fato inenarrável por natureza: o amor.

Convém, à mim, traçar paralelos entre o canto e a paixão, entre o pássaro e o amor, senti diversas vezes enquanto em movimento, ardores que esquentaram da minha orelha esquerda até o pé direito, fui submerso nos maiores fervores que eu já pude imaginar, e ainda assim, não conheço o pássaro da canção, isto é, ainda que o canto seja reconhecível e amoleça meu pescoço em conjunto de meu coração, minha visão ainda não fora suficiente para agraciar-me com o conhecimento do pássaro. Então, teimo em dizer que se muito conheces a paixão, cale-se sobre o amor, que o primeiro fato não conclui o segundo, mas inegavelmente o segundo é consequência do primeiro, então, se viveste paixões intensas e tens, ainda sim, um vazio, é seguro dizer que do pássaro, tu só tiveras o prazer de conhecer o assobio.

PPFL
Enviado por PPFL em 10/10/2016
Reeditado em 10/10/2016
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