Somos otimistas

Nós, brasileiros, somos naturalmente otimistas. Confiamos piamente em um futuro melhor. Na prática, nossas semanas começam na segunda e, antes que possamos trabalhar ou estudar, ouvimos e lemos a respeito da proliferação do desemprego, da intolerância religiosa, das barbáries de uma cultura racista, dos alarmantes resultados da educação, da inquestionável desigualdade de gênero e ou da economia em crise. Percebemos que, para acabarmos com a corrupção, elegemos corruptos piores que os corruptos anteriores e que, na última semana, alguns deles tentaram se safar dos próprios crimes com uma alteração na lei. Ainda assim, vejam vocês, continuamos a tocar as nossas vidas como se tivéssemos garantia de que o futuro será salvo pelo canto dos intocáveis: “Hoje, é um novo dia de um novo tempo que começou...”

Eu estava convicto de que 2016 se redimiria com pequenos e promissores anúncios. Esmorecido, no entanto, vi a Inglaterra sair da União Europeia, vi acordos de paz serem negados, vi Trump ser eleito, vi o vazamento do Enem, vi o esfarrapado pedido de desculpas da Odebrecht e vi a tragédia da Chapecoense. “Não é possível”, pensei em voz alta. No ano em que ampliei meu significado para a expressão “fim dos tempos”, algo tem que dar certo.

Fui tolo. Dois mil e dezesseis, meus amigos, é implacável. Sinistro como a alta do dólar – que ontem valia R$3,47. E agora, José, que Selic caiu, a reforma mudou, o PIB sumiu, o barco afundou e povo não viu, e agora, José? Não é que não tenhamos visto, é que não somos suficientemente rápidos para acompanhar. Este ano é Usain Bolt e nós, Rubens Barrichello – resguardadas as devidas proporções.

Já abatido, descrente com o mundo, propus-me a reler as histórias que pretendo contar aos meus filhos numa das viradas de ano do futuro que tanto aguardamos. Lembrei-me de Pandora, a mulher de indescritível beleza que se casou com Epimeteu e que, impaciente pela abertura dos presentes, trouxe à terra todos os horrores, pragas e males enviados por Zeus. O marido, ainda assustado, fechou a jarro com tampa, que hoje chamam de “caixa”. Preso lá dentro, ficou apenas o mal que era o destruidor da esperança. Essa, portanto, não murcha, não cansa e não sucumbe a crença. Neste ano, foram-se muitos sonhos, mas voltaram vários nas asas da esperança.

Como ia dizendo, procuramos de forma quase obsessiva as mínimas possibilidades de progresso. Num dos anos mais trágicos dos quais tenho consciência, sou incapaz de não me alegrar e de não esperar por melhoras. Num ano em que presenciei cenas repulsivas, também vi o desenrolar da Lava Jato, a emergência das discussões político-sociais nas redes, a solidariedade do povo num momento de luto, a diminuição do analfabetismo, a melhoria das práticas democráticas e a inegável exuberância da abertura das Olimpíadas.

Depois de uma breve pausa, propus-me a imaginar a conversa na mesa dos adultos, onde os antigos contos mitológicos tornam-se reflexões para a vida real. Em alto e bom tom, pude ouvi-los compartilhar promessas e desejos para o ano seguinte. Todos de branco, como se a cor das roupas influenciasse nos tempos que virão, pareciam querer, do fundo da alma, a paz e o progresso com que sonham desde pequenos.

Definitivamente, hoje não é réveillon. Nesta segunda, antes que possamos estudar ou trabalhar, nós, brasileiros, precisamos nos perguntar: “Se não nós, quem? Se não agora, quando?”. Somos otimistas irreparáveis e talvez devêssemos, além de criar utopias, buscar atingi-las, já que elas nada mais são que inéditos absolutamente viáveis.