Assombro



        Sempre me assombra esta capacidade em mim - como a de sacerdote em segredo de confessionário - de manter ad eternum sob sete chaves os nomes verdadeiros dos meus parceiros-cúmplices nesta vida de doido e de doidos que tem sido a minha há... séculos...  Nossas vidas verdadeiras a vida inteira sob as mais fundas metáforas, sob todas as simbologias que me têm sido possível trazer à toa. É verdade que, às vezes, se apossa de mim uma vontade desesperada de dizer tudo de todos nós, os parceiros-cúmplices, com todas as letras: as letras reais de nomes, fatos, circunstâncias, impasses, ruas sem saída, veredas, sertões grandes, mares sem fronteiras, paredes cada vez mais claustrofóbicas ...
        NÃO, tal direito de dizer me é e está vedado desde sempre para sempre. Tenho um amigo caríssimo que me chama de pitonisa. Talvez meu amigo tenha alguma razão, que na menina de 8 anos tornada confidente de seus pais, confidente de dolorosos segredos deles, no olhar longínquo e sempre a ver coisas invisíveis para os demais, nessa menina já havia a premonição de seu estranho destino... de seus estranhos destinos a calar... a calar...  a calar... como icebergues ocultando sob o oceano a extensão extraordinária de seu real volume, icebergues a deixarem emersa, visível, apenas uma pequena ponta do seu ser... uma pequena ponta de seu ser sobre a superfície da água.  Bem... À parte submersa, incomensuravelmente maior, costuma-se comparar, em psicanálise, ao chamado 'inconsciente'.




 
Nota. Perdoem-me, amigos: Esta carta-pensamento tem destinatários bem específicos, destinatários que talvez não venham a lê-la jamais, que a quase e absoluta totalidade deles está em outros sítios. Seja como for, eu precisava escrevê-la,  ainda que apenas para mim... e partilhá-la aqui para  quem quiser lê-la. Feliz semana, amigos. Grata, sempre.