O Choro da Chuva

A tempestade veio.

Chegou carregada dos tons plúmbeos que sempre a fez tão atraente.

Trouxe silfos e sílfides a desafiar altivamente as portas e janelas pegas de surpresa.

Espalhou no ar, a eletricidade característica que antecede a tormenta e o perfume de ozônio que só os seus movimentos bravios podem provocar.

Alcançou-me no exato momento em que eu lutava com seu mais forte concorrente: o tempo.

Quis me convidar a ver suas nuvens negras carregadas da água que em breve seria despejada.

Forçou-me a olhar a magia que disparava em todas as direções e movia a terra, as folhas, a poeira, os varais carregados de roupa...

Insinuou-se por entre minhas coisas, antecipou o espetáculo que me aguardava e, consciente do efeito que a sua beleza causava em mim, evocou o som estrondoso dos trovões.

Disparou seus relâmpagos, raios, tingiu de azul e prata o horizonte que me acenava.

Entrou pela janela, agitou meus cabelos, arrancou das minhas mãos as planilhas, os papéis que me tornavam densa, presa, fixa, acorrentada a tantos compromissos vazios e escrava das regras.

Olhou nos meus olhos e me convidou para o quintal.

Trouxe lembranças de chuva farta em pisos de musgo e galhos verdejantes.

Brincou com minha covardia e questionou minha lógica.

Arrancou o cheiro da terra e me fez promessas de liberdade, ainda que momentânea.

Esbravejou, estrondou, desafiou e quando percebeu que eu não sucumbiria ao seu convite, explodiu diante de mim em milhões de gotas feito um choro exausto.

Durou ainda alguns minutos.

Foi embora pequena, com sons distantes, anunciando uma despedida, uma perda.

Naquele dia, por mais que brigasse, perdi para o tempo. Também perdi para a angústia, para o cansaço... Perdi a magia do momento...

Pela janela vi um sol muito tímido tentando reencontrar seu lugar.

Continuei fazendo o que fazia antes da vinda dela. O trabalho de todos os dias, todas as horas.

Correto, socialmente aceito.

E uma vez que os dedos seguiam o curso natural do trabalho, percebi com tristeza, que em algum lugar em mim ainda havia algo que vibrava com as emoções que só as Tempestades conseguem me dar.

Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 31/01/2017
Reeditado em 31/01/2017
Código do texto: T5898312
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