Nada do que sonhei

E nada daquilo com que eu sonhei na solidão deu certo. Júlia sumiu, nunca mais me procurou. Sofri durante um tempo, mas agora já aceitei este destino, até certo ponto. A vida é muito curta para ser pequena, e nós precisamos viver da melhor maneira possível. Em algum momento eu achei que Júlia era o elo da minha vida, e que ela só poderia ser minha, mais de ninguém. de mais ninguém. Querida Júlia, que encantou tanto os meus olhos e hoje se encontra longe. Este texto é pura melancolia. Difícil dizer como é tão triste envelhecer e perder os sonhos, um por um, um por um, até sobrar apenas uma revista sobre a mesa da sala para ler algumas matérias e depois ir dormir.

Ainda hoje sonho com aquele carnaval de 2014, quando fui à Vila Velha, no Espírito Santos ver Júlia. Passei parte do carnaval com ela. Ela foi divertida comigo, deu-me presente, passeou comigo. Ela tem um humor ótimo. Quase nunca está zangada. Mas é uma pessoa que tem um pensamento dionisíaco, ela não segue muitas regras como eu. Eu fico perdido perto dela, porque ela é muito mais esperta e arisca do que eu. Eu sou muito mais apolíneo, medroso em relação as regras. Júlia não quebra as regras, ela simplesmente não as conhece, e por isto é muito mais liberta. Acho tão linda e perigosa esta forma de agir, tão distante de mim. Admiro a beleza, a leveza, a meninice e o descompromisso de Júlia. Ela é tudo o que eu queria ter e ser.

Acredito hoje em dia, mais do que nunca, que o tímido é um grande vaidoso, que tem um tremendo medo do julgamento dos outros. Ele não se atira na vida, ele fica o tempo inteiro com medo de ser reprovado pelas opiniões. No meu caso, o meu maior desafio é tocar meu violão com tamanho grau de concentração que eu esqueça que existem pessoas assistindo à minha execução. Quando eu conseguir isto, sei que vou me tornar muito melhor.

Acredito também que temos a obrigação de sermos educados com as pessoas, cordatos, carinhosos, solidários e piedosos; entretanto, devemos sempre ter em vista o que é melhor para nós - ou seja, não acho que devemos fazer algo que vai nos prejudicar a curto ou a longo prazo, para sermos bonzinhos. Ser bom, sim! Bonzinho, nunca!

Como alguém já disse, muitas vezes o fator determinante da vitória não são as escolhas, mas sim as renúncias. Eu perdi muito tempo com companhias que não valeram a pena, tendo hábitos dispensáveis, e muitos vícios. É preciso estar atento e forte, ver o que é melhor caminho, e singelamente se despedir do que não traz mais resultado. Isto pode parecer cruel, mas é assim que funciona. Sem meias palavras.

Eu sonho com o amor que me faça esquecer o medo, que me deixe como um selvagem em uma floresta, sem qualquer limite civilizatório, e tenha somente o desejo de proteger a coisa amada, no caso, Júlia. Eu queria não ter nenhuma dúvida, nenhum limite ao defender Júlia. Eu a queria em meus braços, somente...mais nada. Nenhuma ética, nenhum alerta de bons modos, nada disto me interessa, nenhum limite me interessa para estar perto de Júlia. Eu a queria, eu a quero como a última oportunidade de ser feliz em minha vida. Quando tudo já deu errado, sobra Júlia para eu me agarrar com unhas e dentes, com o coração sofrido, sem nenhum amigo sincero, com todas as desilusões desfeitas nas coisas que mais me encantavam, sobretudo a música, que sempre foi uma musa arredia e ingrata, em todos os momentos. Somente Júlia poderia fazer meu paradigma mudar, e me fazer ser o animal bravio que esquece todos os traumas e todas as neuroses do passado, luta sem medo por aquilo que quer, e assim, esquece o temor da derrota e da morte. Morrer por quem se ama é um prêmio, continuar vivo e preso à covardia e apego a uma vidinha sem novidades é uma condenação. Como disse Oswald de Andrade, "Que eu não fique nunca

Como esse velho inglês ,Aí do lado, Que dorme numa cadeira, À espera de visitas que não vêm." Eu queria voltar a ser mais dionisíaco e menos apolíneo, como eu era quando nasci. Esta moral me cansa, e me faz pensar que eu sou um fraco seguindo regras por não ter a coragem de ousar. Júlia, Júlia.... é só o que eu sei dizer. Júlia, vamos beber um vinho, sair por aí nos beijando. Vamos desistir de escola de ética, onde as pessoas querem se passar por boazinhas e sem desejos, todas artificiais e ponderadas, parecendo estarem num invólucro. Estou cansado disto. Quero gente de carne e osso, pessoas vivas, sentimentos vivos.

Marcelo Inácio
Enviado por Marcelo Inácio em 15/06/2017
Código do texto: T6028255
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