Deus e o desespero

Ariano Suassuna diz que se não acreditasse em Deus ele seria um desesperado. E para crer em Deus não se tem de ser desesperado, ou habituadamente, desde criança, ao desespero?

Um homem do seu quilate sabia e sentia o peso da verdade!

"Por isso acredito em Deus", assim diz, o velho sábio. Ele sabia da fera, da besta que carrega no coração o bicho-homem. Era tua fera que remexia sob a pele. Os demônios, as vontade doentias. E que sem Deus, ou sua ideia, não existiria a culpa, o arrependimento, e todos os tipos de ações bestiais seriam supérfluas, teriam livre acesso.

E já não é assim com Deus desde o início? Creio, ainda que antigamente muito sangue já jorrou, muito dente já rangeu, onde muito coração já se desolou, ainda assim nós os superamos com toda bondade e benevolência de um século mergulhado no desespero.

Ora, e não era assim em tempos barbaros também? Quando a dívida ainda era paga através da mutilação, do gozo, do prazer de fazer sofrer, de ter sofrido um dano, que é um prazer, e ter direito de inflingi-lo no causador do dano - o sofrimento, o castigo, era uma festa. Quando foi que o sofrimento se tornou tão visado? Antes, era visto sem serimonias, como o vento que se sente e não se vê.

Teríamos nos tornado demasiados sofredores? Será por que a sensibilidade ao sofrimento do mundo, a empatia, o pessimismo, a tristeza, a melosa bondade do excesso, o desespero, a união em Deus, não coloboram para mais sofrimento? ou pelo menos para torná-lo um alarde, um grito que hoje se ouve por toda humanidade. A jovialidade se fora para os diabos quando o diabo se tornou moralidade, quando se tornou o Não de Deus.

Mas bem disse Ariano: "eu seria um desesperado se não acreditasse em Deus". Para alguns tipos de homem essa é a única saída para o inevitável sofrimento da vida. Sofrimento que leva ao despero, à Deus, à esperança...

Não seriam estes, os esgotados, desesperados, compassivos, justamente a consciência do desespero, do sofrimento e da loucura que tanto veem? Eu poderia dizer que só eles veem? Vemos o que somos? Ver é sentir...

E se virássemos a cabeça, se renunciássemos ao sofrimento, se seguíssemos apenas nosso caminho? Um sim, um não, uma meta!

Quem sabe fôssemos menos desesperados, cientes de que não é preciso Deus para suportarmos a existência. Que diria um passarinho para Ariano! Que basta a chuva, o sol, o vento, um cadinho de comida para ver colorido?

Ah, mas quem o entenderia o canto? Se todos os ouvidos estão voltados para evitar o desespero, o sofrimento, a culpa..

Talvez, os barbaros, por ausência de culpa, tivessem mais agudeza de sentidos para escutar a vida aos seus redores.

Isso devia limpar o espírito, e ajuda-los a não desesperar...

Fiódor
Enviado por Fiódor em 03/07/2017
Reeditado em 03/07/2017
Código do texto: T6044733
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