A pior das vidas

Fones de ouvido, um blues charmoso a tocar na playlist do spotify, móveis velhos e empoeirados, na janela gotas de uma chuva que ensaiou cair mas logo se dispersou.

O cheiro do café no vizinho, garrafas vazias na geladeira e meus pés descalços a tocar no frio assoalho de madeira, procuro subterfúgios para não me deslocar mais uma vez até ela.

Há tantos dias meus anos são todos iguais, sentada em minha poltrona macia, dedos que teclam palavras soltas e comuns, o grande esforço repetitivo em tentar me concentrar, os vários processos parados por falta de coragem em encarar a vida, talvez eu esteja vivendo da pior maneira possível, mas está tão confortável assim, essa caverna onde me encontro só não me protege de mim.

Mais tarde os meninos vão sair para dançar e desta vez eu prometi que ia, agora busco um motivo para adiar pessoas e coisas tolas, que nunca conseguem me libertar do peso que é existir.

Estou velha aos 26 anos, cansada para dormir, com fome do biscoito que comi na minha tia quando tinha 15 anos, e acreditava que seria feliz.

Como a vida adulta nos mata hein? Como cansa correr tanto à lugar algum, como parece absurdo se manter parado por falta de saber aonde ir.

Lembrei de minha mãe sorrindo enquanto ajeitava seus lindos cachos negros, suas mãos macias a tocar meu rosto, suas doces palavras que nunca me deixaram sentir medo, dona da maior beleza já vista por mim, também de um olhar tão triste que apesar do pavor que é a vida, nunca foi capaz de chorar para mim. Ela segurava o mundo nos ombros, ela abdicou de sua felicidade para que eu tivesse a minha, e hoje eu só consigo pensar em como eu falhei com ela.

Somos tão incapazes de reconhecer a felicidade mas, facilmente identificamos a falta dela.

Minha cama costumava ser minha casa, lá eu amava, comia, cuidava, plantava flores e curtia cada aroma que exalavam quando suas pétalas abrochavam, lá, eu era a união de corpos e almas, desenhava os mais lindos planos e os amava, lá, onde hoje deito e pareço no pior dos infernos, lá onde horas passam arrastadas e o jardim virou sepulcro, onde ao deitar só desejo não precisar estar viva para levantar para a pior das vidas... a que eu nunca mais terei.

Gabi Vilamar
Enviado por Gabi Vilamar em 08/09/2017
Código do texto: T6108395
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