Flores vs. Jornais

Hoje é quarta e é impossível não lembrar de você.

Belchior não ficaria nada feliz se me visse tentando usar essas roupas que já nem cabem mais em mim.

Mas é meio que inevitável.

O passado sempre vem me visitar nessas quartas estranhas e inquietantes.

Você gostava delas, pois era o dia da minha folga, toda semana.

E eu ficava contando as horas também.

Quando o sino da igreja soava, meu coração batia mais forte.

Não no mesmo compasso, mas eu gostava de ouvir a festa que ambos faziam.

18 horas.

Lembro do meu vestido azul.Eu não era tão magra e ele se ajustava perfeitamente no meu corpo.

Você gostava dessa junção.

O perfume floriental fresco, o batom fúcsia, os cabelos presos numa trança...

Você achava um encanto esse meu jeito simples de levar a vida.

Já eu achava cansativo cada respirada dada.Mas eu estava me esforçando, porque afinal, havia encontrado alguém que estava começando a mexer comigo.

Lembro daquela sua camisa branca folgada, grande demais para o seu corpo.Do abraço que sufocava minhas tristezas.Da voz serena que acalmava meu eu tempestuoso.

Eu não tinha vergonha de desabar na sua frente.Você me entendia.

Então, nessas noites de quarta eu te contava tudo o que doía em mim.

Era como um passe de mágica.

Com você a dor quase nem existia.

Você tinha sempre uma resposta, uma solução, uma frase impactante de algum livro que só você havia lido e que eu precisava ler também.

Precisava aprender.

E aprendi.

Você ficaria orgulhoso se visse a mulher que me tornei (em alguns aspectos).

Um dia desses, quando já doía menos, alcancei a prateleira que guardava esses nossos livros.Ainda tem seu cheiro.A rosa que um dia foi vermelha ainda está lá dentro.

Eterna.Saudosa.Viva.

Ainda consigo te ver, se eu fechar os olhos.

Nesse dia, você estava morrendo de vergonha, com medo de ser rejeitado por mim.Tinha essa rosa na mão.

Sorria, nervoso, com os dentes tão bem alinhados, os olhos pequeninos se contraindo.

É pura saudade.

Ácida e fatal.

Mas a vida tem dessas surpresas.

Dessas quartas cheirando a tristeza.

Dessas manhãs amarelas que choram, mesmo o céu estando limpo.

Eu também choro de vez em quando.

Ah...

A vida tem essa mania de falhar comigo.

Ela quis me ensinar e me trouxe você, do mesmo jeito que tirou.

Eu tive tempo, mas não soube usá-lo.

Nunca fui boa em demonstrar sentimentos e tem dias que me culpo por isso.

É um dos meus defeitos.

Talvez você nunca tenha percebido minhas tentativas de chamar sua atenção, querendo dizer "ei, eu acho que amo você, seu garoto bobo."

Amar é o único verbo que eu nunca soube conjugar.

Sempre tive medo dele.

Tinha medo de parecer boba demais e nunca criei coragem de apertar o dedo em cima do seu nome e te marcar em milhões de postagens no Facebook.

Me embaralhava toda quando você me perguntava o que eu sentia quando estávamos juntos.

Me embaralhei na hora de distinguir um sentimento do outro.

Seria amor? Amizade? Carinho? Respeito?

Era tudo a mesma coisa.Era a receita completa.E a vida é um bolo, sempre digo.

Só que eu cheguei depois da festa.

Hoje, quarta-feira, lembrei de você e ri.

Ri porque foi bom.Ri porque eu fui boba.Ri porque foi irônico.

Ri, porque a felicidade veio bater na minha porta e na insegurança, não abri.Quando fui ver, era tarde demais.

Ela foi embora e nem se despediu.

Mas a culpa foi minha.

Na semana seguinte, você apareceu na minha porta de novo.

Só que dessa vez, nos jornais.

Uma fatalidade.

Não era quarta, era quinta.Um número ímpar, assim como sou agora.

Eu não chorei no momento, mas senti algo me corroer por dentro durante dias.

Falei com a minha supervisora.Pedi pra trocar o dia da minha folga.

Ficou sendo nas segundas.

Mas eu nunca tive segunda chance com você.

Doei meu vestido azul.Tranquei nossos livros no armário, na prateleira mais alta, longe do alcance das minhas mãos.

Tudo cheirava a você. Até o jornal.

Esqueci o violão.Você adorava me ouvir cantar.

Não vou dizer que parei no tempo.

Eu ando sobrevivendo, mas não desisti de mim.

Eu mudei, amadureci.Aprendi a lidar com os meus dias cinzas, graças a você.Graças a Deus, por ter permitido esse nosso rápido encontro.

Ainda é difícil, faz parte.Mas nada preenche o vazio da sua ausência.

Eu não posso voltar no tempo.

Eu não posso mudar a ordem dele.

Mas teve coisas que eu deveria ter feito e não fiz.

Por tudo isso, eu digo a você que lê esse texto agora:

Ame.Demonstre. Cuide.Quando tiver certeza que achou o que nunca estava procurando(porque é assim, queremos uma coisa e a vida sempre reserva o melhor) diga o quanto você se sente bem quando estão juntos.Diga o quanto o sorriso dele(a) é bonito.Fale da paz que ele (a) te traz.Viva, se entregue nesses momentos. Esqueça o medo.

Mas eu estou falando de amor, amor mesmo, não essas paixões de dois dias que existem por aí aos montes.

Viva! Afinal, um dia tudo isso aqui ficará para trás.

Somos peregrinos;Estamos de passagem.

Aproveite a estadia.

E eu desejo, desejo mesmo, que quando baterem na sua porta, que seja a vida lhe entregando flores e nunca a saudade lhe deixando jornais.