Ela sou Eu

Ela era uma menina que adorava brincar com suas bonecas, criando um mundo todo seu e, apesar da timidez, sempre esteve rodeada de "amiguinhas" por perto, mas preferia seus livros e se enfiava na biblioteca da escola.

Porém, alguma coisa lhe aconteceu durante umas férias na casa dos tios, algo que ficou por mais de vinte anos escondido em sua memória. Ela tinha nove anos e ainda usava tranças nos cabelos. Lembrou parcialmente e doeu, ainda dói, sem saber o que houve de verdade e nunca saberá...

Mas essa menina cresceu, cheia de vida, de vontade, de alegria e um bocado de atrevimento contido. Com alguns probleminhas de saúde que a derrubavam pelo caminho, pelas escadas, ficou muitas vezes de cara no chão. Desmaios estranhos, sem qualquer explicação e até uma paralisia unilateral, mas o que ela tinha, afinal? Apesar dos vários médicos e exames, ninguém nunca soube explicar...

Cresceu mais um pouco, apaixonou-se, fez-se mulher, amou sem razão. Inconsequente, por medo, abortou essa paixão.

Casou-se com quem mal conhecia, só para sair de casa e do poderio patriarcal. Não era amor, era paixão e a possibilidade de viver uma vida nova.

Quase fugiu do casamento! Na hora em que entrou na igreja, no último banco, viu o amor da sua vida, o quase pai de seus sonhos desfeitos. Quis abraçar, quis beijar, e de lá correr com ele.

Mas continuou...tremendo feito vara verde, mal controlava o buquê em suas mãos. Por fim, se casou! Se cansou, rápido demais, viu o casamento se acabar nas patas de alguns cavalos e jogado em roletas e mesas de cartas. Sonhos rompidos, joias perdidas, mas nada de vida desperdiçada, bola pra frente!

Separada, voltou para sua cidade, foi morar em uma república, reduziu seu salário quase pela metade, só para ter paz. Foi viajar, ver shows e mais shows, foi curtir sua família, pais, irmãos, sobrinhos.

Foi, enfim, viver!

Viveu alguns romances, amores adolescentes fora de época. E outra vez se encantou, se casou. Teve três momentos únicos e intensos, quando pariu seus filhos. Viveu tudo o que tinha para viver, sim, foi feliz! Mas também foi traída, foi humilhada. Pelos filhos, foi fiel, ou melhor, foi leal. Leal a eles!

Mais uma vez, se cansou. Desgastada, desgostosa, partiu! Largou tudo para trás, até dois dos filhos (já crescidos, criados e muito bem educados). Levou consigo suas coisas pessoais, um computador e, na saída, agarrou a cafeteira (sua fiel companheira) e foi com ela embaixo do braço.

Mais uma vez, foi viver!

Tropeçou em um grande amor, amor além da vida, amor além da alma. Tão intenso que a fez viver, num curto período, o que antes não havia vivido. Tão grande, que partiu, virou estrela...

Foi vivendo, foi tentando, foi.

E vai! Esquecer tudo é difícil, tanto abuso, tanto controle, é muita mágoa e indignação, mas vai!

Ela? Tenta ser normal, ama com intensidade e paixão os seus filhos, os seus netos. Ama seu espaço, seu silêncio, seus momentos, mas não gosta de se sentir só. Quer barulho, música alta, começa a dançar...

Tem dias em que se pega pensando: "Como seguir? Que vontade de parar...".

E então, continua, aos trancos e barrancos, continua por aí, continua pela vida, continua tentando, continua buscando, continua vivendo e, à sua maneira, sendo feliz.