O AMOR NÃO LIGA

Me ponho a refletir em muitos momentos a natureza dos meus sentimentos. Você já fez esse exercício alguma vez? Já se perguntou se aquele sorriso realmente foi pra você? Consegue perceber a dualidade de um gesto? Se é espontâneo ou proposital? Se é puro ou se tem uma segunda intenção? Medimos os gestos que nos são percebidos com base na nossa experiência e conhecimento, mas raramente nos colocamos no lugar do outro, raramente praticamos a empatia. Nos demais momentos acabamos prejulgando, diminuindo ou supervalorizando esses gestos. Quantos insultos você já utilizou como demonstração de afeto? Quantas colocações de duplo sentido você já fez propositalmente? E quantas vezes seus insultos em forma de afeto e suas colocações de duplo sentido foram compreendidas? E se foram compreendidas todas foram aceitas?

Se eu digo laranja pra você, o que vem a sua cabeça? A cor laranja? A fruta laranja? E para o outro o que viria na cabeça? Será que a compreensão do outro seria a mesma que a sua? Ou será que pensaria em outra coisa como: suco de laranja? vitamina C? Como esperar do outro uma comunicação sem ruído se ambos podem ter um entendimento diferente de uma mesma palavra? Quem é o culpado quando o ruído é gerado?

Na maioria das vezes não diferenciamos o certo do errado, o bem do mal, o amor da paixão, a vontade da necessidade, a fidelidade da lealdade. Geralmente fazemos muito pior, confundindo um com o outro. Acabamos matando por amor ou matando por fé. A inversão dos valores conduz nossas conclusões e essas conclusões nos impelem a tomar atitudes que contradizem aquilo que afirmamos ser real. Quem ama mata? Mas existe uma grande diferença entre realidade e verdade. O suco de laranja, a fruta laranja é a sua realidade, já a verdade é laranja. Abstraia o quanto possível, a verdade é indivisível. A verdade não tem partes, ela está lá, nua, prestes a ser vestida com suas ideias e imaginação. Não tome como verdade a sua realidade, nem como verdade a realidade do outro. Abstrair-se até a essência possibilita duas coisas: uma é você entrar na realidade do outro e a outra é ambos criarem uma nova realidade.

Quantas vezes você justificou seu ciúmes por amor? Sua raiva por amor? Quantas vezes você se frustrou com expectativas pelo amor? Quantas vezes você disse ao outro… Você não me ama. O amor virou moeda de troca? Quem ama obtém o direito de receber do outro o que deseja? Quando deseja? O outro está disponível? Fisicamente? Emocionalmente? Psicologicamente? Ou o outro se tornou escravo do seu amor? O seu amor escraviza? Já se fez essa pergunta? Ou melhor já perguntou ao outro como ele se sente em relação a isso? Está preparado para lidar com a resposta?

Pra nos livrarmos do peso da culpa, das cobranças, das punições, buscamos rotular nosso egoísmo e falta de empatia. Damos ao outro diversos status sociais, que nos garantem o direito a cobranças e disponibilidade do outro quando desejarmos. Não cumprir com as responsabilidades nos dá o direito de cobrar e punir. O amor virou um contrato?

O amor reside no silêncio. Ele não cobra nada do outro, nós cobramos. Ele não puni o outro, nós punimos. Ele não mata o outro, nós matamos. Ele não rotula o outro, nós rotulamos. O amor não se frustra, nós nos frustramos. O amor não depende do outro, nós dependemos.

O amor não liga pra nada que você pensa ou o que o outro pensa. O amor só liga pro que você sente.

Sinta.