Plano Ideal...

Não era o plano ideal, mas também não era o mais absurdo. Com o velho álbum nas mãos, olhando minhas fotos antigas, um filme passa no meu cinema particular de lembranças. A xícara de café esfriando sobre a mesa, meu olhar perdido no nada.

Não era o plano ideal, mas também não era o mais absurdo. Brincar, crescer, amadurecer, tendo os meus direitos respeitados. Ir e vir em segurança, ter um lar para ser meu abrigo, pais que fossem meus amigos. Chegar em casa e ter a certeza de que uma bronca sempre viria acompanhada de um abraço.

Não era o plano ideal, mas também não era o mais absurdo. Eu queria viver a inocência da minha infância, sem ser cobrado como um adulto à amadurecer tão rápido. Aliás, como eu gostaria de saber o gosto da infância, como sei o gosto deste café sobre a mesa… Eu beberia, me embriagaria por este gosto, pois os que viveram está infância, falam dela de forma embriagante. Ah sim! Ela seria o meu vinho todas as manhãs.

Não era o plano ideal, mas também não era o mais absurdo. Eu queria acreditar nas pessoas, confiar na bondade humana, sem aquele gosto amargo de que tudo foi por interesse. Segurar nas mãos de quem me oferera abrigo, sem o medo de que eu estaria só sempre, pois a união familiar, era só uma fachada da porta de casa para fora.

Não era o plano ideal, mas também não era o mais absurdo. Eu queria os brinquedos que vi nas prateleiras de uma loja qualquer, sonhar que eu era o soldadinho de guerra, o herói militar, o piloto daquele carrinho da hora, que o filho do vizinho tinha. Eu queria um amigo imaginário…

Não era o plano ideal, mas também não era o mais absurdo. Eu queria não sentir medo das pessoas. Eu queria ser mais sociável, confiar que os braços que me abraçam, não serão os mesmo que me apunhalarão até matar minha esperança na fidelidade das pessoas.

Não era o plano ideal, mas também não era o mais absurdo. Eu queria a minha infância, não, não! Na verdade eu queria o poder de apagar os traumas, esquecer das violações cometidas contra mim, apagar de mim aquele inferno que implantaram em minh’alma aos 10 anos de idade. Eu queria ter amigos para contar minha dor, chorar meu desespero, gritar minha angústia, calar meus traumas, lavar minh’alma manchada pelo teor da perversidade humana.

Não era o plano ideal, mas também não era o mais absurdo. Eu queria crer na religião que eu escolhesse, sem precisar encarar a intolerância religiosa daqueles que fossem contrários a minha escolha. Crer na paz que o mundo prega, apertar a mão do mundo, e saber que momentos depois, ele não puxará o gatilho de sua violência contra mim.

Não era o plano ideal, mas também não era o mais absurdo. Eu queria viver, mas hoje sobrevivo…

Eu queria brinquedos, mas fui o brinquedo que o mundo quebrou.

Eu queria acreditar na bondade da humanidade, mas ela é incerta.

Eu queria ser criança, mas precisei ser adulto cedo demais.

Eu queria o direito de não ser violentado, não ter minha infância roubada, eu queria não ter lembranças de ter sido violado.

Eu queria minh’alma inteira, e não destroçada como hoje é.

Não era o plano ideal, mas também não era o mais absurdo. Eu só queria viver, eu só queria me sentir alguém, eu só queria respirar, sem sentir a dor de ser escombros, de ser ruínas.

Eu só queria não me culpar, pois eu não fui vilão, eu fui vítima. Eu só queria esquecer…

Não era o plano ideal, mas também não era o mais absurdo. Eu só queria brinquedos na minha infância, mas fui brinquedo nas mãos de adultos perversos...