ASTÚCIA

Eu não tranquei a janela naquela noite e tu entraste como um gato, sorrateiramente. Tomou conta da casa como se fosse tua e eu fui fraco demais para te negar abrigo e carinho. Teus olhos eram como pequenos universos que eu queria adentrar, mas tua boca de nada me servia como consolo. Aliás, em que me eras útil? Por que te deixei ficar? [...]

As noites sempre eram agitadas. O silêncio, tão agonizante quanto as garras de um gato no acolchoado do sofá da sala. E você continuava me intimidando, com toda sua indiferença e autoridade... Me deixei levar. Te deixei ficar. Não demorou muito e dividíamos a mesma cama e o mesmo ar, e sob teus olhos deixei meus medos e minha desconfiança. Até tu provares que eu estava certo.

Na primeira oportunidade, partistes, levastes nada e ao mesmo tempo tudo. Deixastes aparente todos os meus medos e sobre o sofá eles ficaram comigo, acomodados e sem nenhuma certeza. Sou apenas um homem sem majestade alguma para expulsar. Mas tu, a própria sagacidade, provastes que uma mão generosa é apenas uma deixa para o ataque. Astúcia.

Domero
Enviado por Domero em 16/02/2018
Reeditado em 02/04/2018
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