Sono interrompido
Estava quase dormindo quando escutou a voz dela, sussurrante, algo rouca, um murmúrio fantasmagórico retumbando não em seus ouvidos, mas no interior da sua cabeça. Dentro da própria alma, talvez. Sobressaltou-se, todos os sentidos tensos, de prontidão. Ele estava deitado de lado, de costas para ela, que dormia o sono dos justos. Inverteu a posição, encaixando seu quadril pequeno ao quadril maior de fêmea, seus ombros maiores envolvendo-a num meio abraço, a mão fria aninhada junto ao ventre quente e macio dela. Dois triângulos opostos, sobrepostos, juntos. Uma estrela. Permaneceu assim por algum tempo, até sentir sossegar seu coração. Ela respirava pausada e normalmente. Deixou-a. Saiu da cama, foi até a janela. Acendeu um cigarro e olhou para o céu, mais precisamente para uma constelação cujo nome ignorava. Respirou a brisa que chegava do mar, sentindo-a deslizar por seu rosto como se escoasse. Não era tarde. Os ruídos da avenida ecoavam nas telhas cinzentas de zinco lá embaixo. Os pombos dormiam. Ela dormia. Ele tossiu, apagou o cigarro e permaneceu ali por um longo momento, apenas vigiando a noite.