O valor intrínseco do inútil

Você já deve ter percebido como algumas coisas tem seu valor associado à sua utilidade e isso de alguma forma parece ter se estendido as pessoas à nível social, seguindo a lógica, você só tem valor se é útil pra alguém ou pra alguma causa, a parti do momento que você não mais possui utilidade para a sociedade ou para outrem você acaba por se tornar obsoleto.

Desta forma, pense em um automóvel, ele só tem valor, pois é útil em nos transportar de um destino à outro, quando não mais for capaz de executar essa tarefa, acaba por se tornar inútil, logo deixa de possuir valor para seu proprietário. Assim como podemos utilizar-se da instituição escolar, vejamos, o ensino fundamental só possuí valor porquê é útil para que possamos alcançar o ensino médio, e o ensino médio só se faz útil para que possamos ingressar na faculdade, logo a conclusão de um curso na faculdade só dispõe de valor para que possamos conseguir um bom emprego na área, se não, não há valor algum e assim por diante e sucessivamente.

A utilidade das coisas está diretamente ligada ao fato de podermos estabelecer trocas equivalentes, assim como o dinheiro, que só possui valor por ser possível trocar pelo que precisamos. Já o valor das coisas está diretamente associado ao o quê elas são úteis ou para quê elas são úteis. Outro exemplo é aquele relacionamento que você, sem escolha alguma foi dispensado, descartado por não mais preencher a lista de necessidades, interesses e desejos de seu parceiro(a) ou melhor suas utilidades, não mais possuem valor, pois você se tornou obsoleto, não atende mais as expectativas, deixou de ser útil. Talvez se você tivesse descoberto o seu valor, antes de tudo, não teria sofrido com essa perda, pois reconheceria seu valor e se daria conta que não valeria apena e/ou não faria sentido sofrer, por conta de uma simples separação, ou talvez também por não ter consciência de seu valor, não deixou claro ao seu parceiro(a) o valor que existe em você, logo ele não reconheceu, pois de fato não estava à mostra. Talvez você tenha perdido tempo demais se preocupando em ser útil para ele(a) dando a entender ao seu parceiro(a) que seu valor é medido no quão você o era útil, e claro isso se prolonga a toda e qualquer relação social seja amorosa, amigável, profissional, enfim.

O maior empecilho de adquirirmos valor pela nossa necessidade de ser útil a algo ou alguém é que nossas utilidades têm prazo de validade, e quando acaba esse prazo (e infelizmente ou felizmente acaba), tudo que resta é nosso valor intrínseco, nosso valor próprio, é o que faz aquela pessoa com quem se relaciona, de qualquer forma, te olhar e perceber o quão especial você é, o quão única e singular é a sua existência, mesmo não tendo mais tanta, ou nenhuma utilidade para tal pessoa, sociedade ou causa, você se torna reconhecido pelo seu valor inerente.

Por isso então, é preferível se manter longe da utilidade na vida dos outros, pois dificilmente terá uma oportunidade de mostrar seu valor pessoal em sua particularidade e caso esteja passando por um momento onde esteja se sentindo inútil, aproveite essa oportunidade única e encare como uma dádiva, pois na correria do dia-a-dia e das trocas de utilidades, nós não temos tempo para pensar sobre nosso real valor, nossa essência, sobre a natureza do nosso valor, ou até mesmo descobri-lo ou cria-lo e se for preciso inventa-lo.

Lembre-se ser útil é importante para os outros, mas ser inútil é importante para nós mesmos, e quando optar por ser útil à alguém, ou à algo, tenha em mente que, ninguém é tão útil que possa fazer tudo, como também ninguém é tão inútil a ponto de não poder fazer nada!

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Hoje mesmo me deparei com um senhor de idade entre setenta a oitenta anos aproximadamente, que mal era capaz de sustentar a sí mesmo, inapto a qualquer atividade física que necessite de força significativa, talvez inepto a qualquer atividade mental que necessite raciocínio, pois com a idade é óbvio que suas capacidades cognitivas decaíram à metade, e claro nessa idade o indivíduo é considerado inútil para a sociedade...mas, quem disse que ele se importa? O que ele se preocupava no momento era em ser útil de verdade, (mas não antes de ter seu respectivo valor decidido por si só), e ajudar aquele deficiente visual à atravessar a rua, era a tarefa mais importante naquele momento para aquele senhor com os músculos vagarosamente atrofiando. Alí estava um velho inútil com seu valor intrínseco intacto!

David Wanes
Enviado por David Wanes em 19/04/2018
Reeditado em 05/12/2019
Código do texto: T6313347
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