Espelhos do cotidiano

Jaqueline o esperava na saída do café no final daquela tarde chuvosa em são paulo e todas aquelas luzes dos carros que refletiam no asfalto molhado na brigadeiro luiz antônio a incomodava. Seus olhos eram sensíveis a tudo que fosse brilhante.

Matias costumava ser um cara brilhante.

Jaqueline não havia dividido a conta no café e então decidiu sair para fumar seu cigarro rotineiro após qualquer atividade que a fizesse gastar mais que 15 minutos. É uma compulsiva. Diziam que ela acendia cigarros durante o sexo, considerando que o sujeito com que ela estivesse não fosse dos tipos precoces. Sua boca necessitava de fumaça.

Matias detestava ficar atrás de cortinas de fumaça.

Jaqueline então encontra seu companheiro na calçada e saem juntos em direção ao cinema. Ela havia escolhido esse filme francês sobre uma garota que nas horas vagas era uma estudante e nos seus horários principais uma garota de programa que se utilizava do método fila preferencial. Havia um certo glamour naquilo tudo, sobretudo pelo idioma francês pronunciado naquele clássico estilo europeu blasé, e Jaqueline, fascinada por todo esse tipo de coisa, jamais deixaria de alimentar suas pretensões artísticas periodicamente. Sua mente necessitava de luxúria importada.

Matias detestava superficialidades envoltas em desencanações metrificadas.

Cerca de dois anos atrás Matias havia entrado para um programa de estágio na instituição que estudava e estava a encaminhar sua carreira profissional pautada pelo método científico, planejamento financeiro e em suas horas vagas apreciar algum drink com seus amigos em bares despretensiosos na alameda santos.

Jaqueline detestava bares que não estivessem no circuito do hype paulistano.

Matias apreciava sua família e não havia conflitos que ocasionassem movimentos arriscados no tabuleiro. Era um homem que prezava pela previsão dos passos posteriores sem exacerbações cotidianas. Nunca foi budista mas estava se pautando pelo equilíbrio e respeito ao que sagrado fosse na contemporaneidade.

Jaqueline detestava cerimônias e socializações.

Matias estava encostado no balcão de um bar onde se desenvolvia uma festa promovida por estudantes da universidade onde estudava. Não estava confortável com a música que era apresentada no local. Matias tinha gostos peculiares musicais, diametralmente opostos ao zeitigeist musical.

Jaqueline também.

Jaqueline dispersou-se de suas amigas após consumir alguns tragos de baseados e decidiu ir ao balcão pedir qualquer coisa que fosse líquida. Esbarrou em um colega de sua sala. Havia conversado com este colega em ocasiões aleatórias sobre stephen hawking, kierkgaard e axé anos 90.

Matias apreciava filosofia, física moderna e detestava futilidades em forma de notas e acordes fabricados.

Matias dispersou-se de seus amigos após praguejar contra a música produzida e decidiu ir ao balcão pedir qualquer coisa, contanto que fosse vinho. Esbarrou em uma colega de sua sala. Havia conversado com esta colega em ocasiões aleatórias sobre física moderna, filosofia e futilidades em forma de notas e acordes fabricados.

Os dois se beijaram.

Nada tão corriqueiro como beijar garotos num ambiente repleto de sexualidade transpirando pelos poros das epidermes humanas.

Nada tão marcante quanto beijar uma garota que achava interessante num ambiente repleto de futilidade transpirando pelos poros das epidermes humanas alheias.

Os dois riram, a transmissão de ruído intenso não possibilitou algum diálogo inteligível e então se dispersaram. Ela se foi rindo. Ele se foi lamentando.

Jaqueline cerca de dois anos atrás havia entrado para um programa de estágio na instituição que estudava e não tinha a menor intenção de encaminhar sua carreira profissional naquela área. Não só por ser algo voltado ao método científico, algo que ela odiava amplamente, mas simplesmente pelo fato de que ela não queria ter uma carreira. Jaqueline considerava que ali estavam depositadas suas horas vagas, visto que seu objetivo era estabelecer residência em qualquer bar, contanto que não estivesse localizado na alameda santos.

Matias estava dentro do café aguardando o movimento inercial da fila para pagar a conta, enquanto aquela tarde chuvosa de são paulo se apresentava através da vitrine, e todas aquelas luzes dos carros que refletiam no asfalto molhado na brigadeiro luiz antônio o fascinava. Seus olhos admiravam tudo aquilo que fosse brilhante.

Jaqueline desdenhava de sua família e não se importava com a ocorrência de conflitos tampouco com a ideia de realizar movimentos arriscados no tabuleiro. Era uma mulher que desprezava qualquer previsão dos passos posteriores, gostava mesmo dos excessos cotidianos.Nunca foi budista mas estava se lixando pelo equilíbrio e respeito ao que sagrado fosse na contemporaneidade.

Matias é do tipo que não se incomoda se a conta não é dividida eventualmente e, após realizar a transição monetária ao estabelecimento paulistano, saiu para encontrar sua companheira que estava tragando um lucky strike de maneira compulsiva. Ela acendia cigarros após o sexo como dita o manual de hollywood até meados dos anos 2000.

Matias então com sua companheira saem juntos em direção ao cinema. Ela havia escolhido esse filme francês sobre uma garota que nas horas vagas era uma estudante e nos seus horários principais uma garota de programa que se utilizava do método fila preferencial. Havia um certo glamour naquilo tudo, sobretudo pelo idioma francês pronunciado naquele clássico estilo europeu blasé, e ela, fascinada por todo esse tipo de coisa, jamais deixaria de alimentar suas pretensões artísticas periodicamente. Sua mente necessitava de luxúria enlatada.

A fila aos sábados no reserva cultural é algo apocalíptico, e então Matias decidiu ir buscar um café enquanto sua companheira guardava o lugar no caos organizado.

- Dois cafés espressos sem açúcar, por gentileza. Solicitou Matias.

- Eu quero dois cafés logo moço, e me traz o açúcar também vai! indagou Jaqueline.

Jaqueline estava usando uma camiseta do sonic youth.

Matias adorava café e sonic youth.

- Eu não pude deixar de notar que você pediu dois cafés puros também. Não se vê muito isso por aí hoje em dia. Matias comentou.

- Com açúcar... Com uma atmosfera desleixada retrucou brevemente Jaqueline.

- Eu adoro esse disco.

- Qual?!

- Goo!

- Que?

- Esse disco do sonic youth, chama-se goo!

- Quem fala "chama-se" por aí? você é retardado?

- Kool thing, o clássico da banda!

- nossa! você gosta de sonic youth! que sucesso!

- Que?

- Sucesso!

Os dois riram e tomaram os quatro cafés. Todos adoçados.

- Onde está o meu café, Matias?! Você demorou tanto que eu já estava entrando sozinha na sala do cinema!

- É que eu acabei encontrando um amigo e bebemos os cafés, Jaqueline, haha. Depois tomamos outro na saída...Jovem e bela né? Ok, eu jamais perderia tal obra cinematográfica...

- Não vem com essas ironias, Matias.

- Olha, o moço não tinha café lá viu, Matias?

- Mas eu recebi o sms do banco indicando o débito do meu cartão que te entreguei para pagar, Jaqueline...

- Ah...é que eu comprei um chocolate e comi! Foi isso, tá?!

- Tudo bem meu amor, vamos logo que sua obra cinematográfica já vai começar.

- Não vem com essas ironias, Matias!

- Você gosta de sonic youth? perguntou Matias para Jaqueline.

- Nunca ouvi falar.

- Ah...tá...

- Você gosta de sonic youth? perguntou Jaqueline para Matias.

- Nunca ouvi falar.

- Ah...tá...

Rafael Wingert
Enviado por Rafael Wingert em 30/07/2018
Reeditado em 30/07/2018
Código do texto: T6404198
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