Um Texto Qualquer

Sempre fui ruim com títulos. Acho extremamente difícil expressar toda uma ideia através de duas ou três palavras...

Meu avô nasceu em 1940, ainda não havia cidade onde atualmente é Boa Esperança, somente um povoado nomeado Dores do Pântano. Francisco Antônio de Souza, meu avô, perdeu o pai cedo e teve que assumir o sustento da família aos 13 anos de idade. Tinha a mãe e 4 irmãos, três mulheres e um rapaz que infelizmente era incapacitado para trabalhar.

Chico ou Chiquinho Machado como viria ser conhecido futuramente, trabalhou duro, acordava com o sol e dormia com o primeiro cantar do galo, tirava tarefas, cuidava dos animais de sua roça, plantava e colhia, além do tempo para cuidar do seu ser, pensar na sua própria família. Viveu bem, nunca passou fome e se tornou um homem forte, formou todos os irmãos e constituiu família, sua esposa Maria do Carmo, 3 filhas, 1 filho e 1 adotado. Cavalgou mundo afora, colecionou histórias, dos mais variados tipos, desde romances improváveis à histórias de assombração que viriam a marcar a infância dos netos quando sentavam para ouvir no conforto da cozinha do avô. Nunca teve problemas de saúde, preocupações com o amanhã, problemas mentais, desconfortos sociais, autoestima? Por favor, ele nem sabia o que era isso, porque ele só era ele.

Foi dono de bar, gerente de turma de cafeeiros, caseiro, fazendeiro, retireiro, agricultor sempre foi e ainda é, aos 78 anos, sempre amou o cuidado com as plantas e o sustento que elas proporcionam. Uma boa janta mineira, uma dose de cachaça para rematar e uma viola pra tocar na rede, o dia estava feito. Nunca sofreu com o famoso silêncio na conversa, nunca faltou assunto.

Hoje, eu tenho 24 anos, ouvi toda a história da vida dele, todos os causos e toda a luta, não só ouvi, presenciei boa parte, o sangue forte passou pra minha mãe, mulher batalhadora, de fibra e muito amor. O interessante é que são uma família de baixinhos rosados, carinhosamente chamo minha mãe de Majin-Bu, mas são o melhor exemplo prático de que tamanho realmente, não é documento.

O intuito de apontar tudo isso é uma comparação, com o que? Comigo.

Aos 13 anos, meu avô era chefe de casa, saudável, trabalhava e sustentava a família, posteriormente, sustentava duas famílias, era humilde e o melhor, feliz.

Hoje, tenho 24 anos, já tive três episódios de depressão, síndrome do pânico, ansiedade é constante, tomo ansiolítico controlado. Gastrite, refluxo, obesidade, as “ites” vão e voltam, sinusite, bronquite, laringite, rinite; dores de cabeça quase diárias, enxaqueca. Preguiça mórbida, quase patológica, falta de perspectiva, falta de vontade, não trabalho, não porque não quero, mas o país vai de mal a pior. Perdi a faculdade que fazia, não me dói como pessoa, mas talvez por não exercer a imposição da sociedade por um diploma superior. Qualquer pressão ou desastre é motivo de desilusão, de estagnação. Memória e corpo de cinquentão.

Somos diariamente alvejados por uma dose imensa de informações, a maioria delas, fúteis, não agregáveis, mas crescemos durante o advento tecnológico e desenvolvemos a “capacidade” de assimilação, engolimos tudo, consciente ou inconsciente. Seja a vilã da novela das oito ou a atualização da guerra na Síria, não aprendemos a discernir o importante do descartável, nos tornamos um HD, mas sem um desfragmentador. As conversas tradicionais migraram para assuntos corriqueiros por aplicativos em seu telefone de última geração. A interação social se tornou uma batalha de guilda naquele MMORPG do momento. A humildade se tornou uma mistura de ambição e consumismo. A empatia se converteu em individualismo. Há muita inteligência, mas carência de sabedoria. Um grande número populacional, mas falta humanidade. Estamos cada vez mais distantes da nossa origem, do que realmente é importante, do que realmente faz a vida valer a pena. Afinal, você vai levar aquele seu título de pós-doc para o túmulo? O que realmente importa para você? O que move a sua vida? A sociedade impõe o script e você segue cegamente ou aprende a contestar?

Já dizia um cantor britânico contemporâneo: “Do que adianta termos iPhones novos se não temos ninguém para ligar?”