O algo

A vida é um algo entre dois nadas. Antes de nascermos, antes do zigoto, antes da corrida pelo óvulo, antes do “acidente”, “projeto”, antes de tudo isso, não existimos, somos nada, não fazemos parte do grande universo que rodeia esse algo. Somos nada, nem mesmo uma partícula de uma poeira cósmica. Isso é assustadoramente exorbitante. Talvez seja por isso que a raça humana se esconda por trás de crenças e do seu conceito fé. Aqueles que dizem não ter, assemelham-se por possuir o mesmo temor que os crentes, afinal se fazem de rígidos para esconder o real sentimento. Entretanto, depois desse algo, o que somos? Carne putrefata que é fonte de alimento para outros seres. Por mais que nos tornamos energia nesse ciclo trófico, o isso desaparece e retorna a sua gênese: o nada, a mãe do algo.

Nesse contexto, Parmênides estava bem a frente do seu tempo. Esse pré-socrático já havia notado o tudo que está dentro do vazio. Nada muda, somos parte de um ciclo eterno de nada, algo e nada. Podemos ver esse ciclo, seja trófico, seja espiritual, seja algo a mais do que conseguimos chegar perto da total sabedoria que Sócrates definiu como inalcançável (mesmo dentro do nada). Não obstante, não se deve menosprezar Heráclito e sua corrente fluvial de constante mudança. Este, por sua vez, decidiu particularizar seu pensamento no algo. A vida, o algo, a reencarnação, seja o que for, sempre vai estar em constante mudança, mas que irá perecer até a gênese.

A vida humana por mais inconstante que seja, tem sua existência baseada no derramamento do que preenchia a caixa de pandora e por isso possui antíteses tão semelhantes como sofrimento e felicidade. Saltando na linha temporal filosófica e entrando na idealização de Schopenhauer é notória essa conclusão. Afinal, só conseguimos entender a diferença entre tais conceitos pela dependência um do outro, pois para um ser entendido, o outro precisa existir. Talvez, entrando em uma intensa digressão podemos relacionar a ideia de servo e escravo de Hegel, contudo sem definir o dominante.

Voltando a ideia do nada e Heráclito, este também estava a frente do seu tempo. Podemos interpretar esse seu pensamento de mudança àqueles que não conseguem controlar seu temor da gênese com base na fé ou em algum ceticismo. Heráclito fez uma construção apaziguadora para não deixar a humanidade em desespero, iludindo-a que tudo está em mudança, embora soubesse que a sequência da substância cósmica é apenas uma coisa entre o nada da aurora e o nada do perecimento (assim mais fácil de entender: repartindo o tudo no método cartesiano de Descartes).

Há, portanto, mais uma antítese construída pelo humano entre Heráclito e Parmênides, ainda que ambos possuíssem a mesma compreensão do todo (ou do nada). Ambos estão no nada e no algo, são transcendentais por conseguirem idealizar e perceber, mesmo antes do empirismo, toda esse conflito para entender o sentido da vida. Na verdade, toda essa guerra civil humana se dá pelo simples fato de estarmos descontentados com esses dois incríveis maiêuticos que mesmo antes do entendimento do próton da humanidade, já conseguiram raciocinar todo o átomo que esta é.

matador de espectros
Enviado por matador de espectros em 07/09/2018
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