Uma peça de lego

Era domingo. Um dia desprezível para o homem, levanto, cara amassada, chacoalho o cabelo e vou ao banheiro. No espelho um rosto familiar, porém estranho. Escovo os dentes enquanto minha face estampa uma total indiferença. Aquele no espelho, é quem vem me causando tanto atrito, mas apesar dos pesares, ainda assim o devo indulgência, pois não é culpa dele não se encaixar em lugar algum.

Antes que eu me perca completamente absorto em meus pensamentos, preparo um chá, pego uma manta qualquer e vou pro sofá. Na tv, qualquer programação que em nada me enriquece, o pão velho de ontem se torna torrada pra matar a fome e a cada mordida eu penso no vazio que me consome.

Passam- se as horas e eu permaneço ali, completamente inerte perdido em meio minha procrastinação. Por um lado me sinto culpado, por outro era minha folga, então, eu mereço. (Mas essa desculpa eu uso habitualmente).

Algo estava me incomodando já se faziam horas, fisgando minhas costas como um prego. Levanto, puxo a manta e no vão do sofá; uma peça de lego. Inevitavelmente vem à minha mente a seguinte pergunta: De onde veio esta infeliz? A resposta vem instantaneamente a seguir: Quem mandou comprar um sofá usado na Olx. Meu Deus, que situação escarnecida meu café da manhã é torrada e uma pizza amanhecida, com uma peça de lego na mão, reflito; o que estou fazendo com a minha vida?

Esta peça de lego completamente avulsa não parecia se encaixar em nenhuma outra, era um formato totalmente diferente, sua cor, textura, eram diferentes de todas as peças que eu já tinha visto, à que lugar ela pertenceria? Uma voz sussurrava em minha mente: Seriam essas perguntas pertinentes?

Segurando a peça de lego em minha frente com a mão estendida pouco acima do nariz, quase que em uma representação do monólogo de Hamlet de Shakespeare - me pergunto: Será que acabarei como esta peça de lego que não se encaixa em lugar algum, esquecida no fundo do sofá de um estranho? Sem querer, me escapa um sorriso de canto, pois ironicamente eu já me encontrava assim; esquecido num dia de domingo com a sensação de não se encaixar em nenhum âmbito da sociedade, no fundo de um sofá usado. (E como era fundo se sentir raso).

Contudo me encontro em um grande conflito com uma indagação: O que seria mais frustrante, se igualar aos padrões sociais para conseguir se encaixar ou viver desolado, à margem de uma sociedade completamente apática? Chego a seguinte conclusão:

Ser ou não ser uma peça de lego, eis a questão.