Cem Anos de Solidão

Certamente um livro que evocou inúmeras reações. Ou melhor. Provou várias. Dentre elas e, talvez a mais marcante, porém levando em consideração o enredo, de menor importância; a morte rápida dos personagens me indignou a cada um que se ia. Por que diabos matar um personagem em apenas um parágrafo? Talvez pela genialidade da surpresa, a ode ao inesperado. Sem dúvidas uma leitura envolvente e próxima do cotidiano, afinal, assim mesmo as pessoas morrem. Do nada, assim, do nada.

É possível pensar desde a perspectiva lírica; em relação ao sofrimento e as imaculadas repetições das solidões. Ta aí o grande nó da estória, que, apesar do realismo mágico, bastante verossímil: a solidão dos personagens é nítida até mesmo ao leitor mais desatento. Seja com José Arcádio Buendia amarrado à castanheira, seja Rebeca enclausura em sua própria agonia doméstica (ou plenitude diante a solitude, sabe-se lá), ou mesmo seja Ursula, imergida nas trevas de sua viuvez e na escuridão de sua cegueiras. Conquanto, esta última, alcançou a máxima lucidez ao reparar na essência da casa e das pessoas. Estas que a cada dia repetem os mesmos atos, quase que até mesmo as mesmas palavras.

Ah, Mesquiades, como você é importante na obra e só ao final me dei conta disso. Todas as guerras de Aureliano, o coronel, já estavam registradas contigo. Tu sabias que ele viria a perder todas? Foram 32. Oficiais, não menos. Pois suponho que sua vida foi para vencer a si mesmo, sua dor e seu olhar solitário. Tantas baixas para não abaixar a cabeça pra si próprio, para o que não poderia mudar. Não poderia abrir mão de si mesmo. Nem uma bala fora capaz de tirar da vida, mas vai e morre com a fronte numa arvore, a mesma de seu pai. Morre de repente, como a maioria dos personagens. Ordinário. Justo o que se voltou contra a própria solidão, sem contudo, poder vence-la. Não haveria como, afinal, é o mal dos Buendias. Estão fadados à repetição. Talvez um peixinho de ouro para cada guerra, mas certamente nem todo o ouro que passou por si vale as vidas que se foram, enquanto que a do próprio coronel, assim autodeclarado, protegida sabe-se lá por qual pergaminho que não prescrevia seu sangue ao chão.

Mas nem só de guerra solitária vivem os bundeias, mas também de festas e opulência. Aureliano Segundo não esquece. Esse é a eterna testemunha da tragédia. Não por conta do massacre em si, mas por nascer para ser massacrado. Viu tudo e mal teve a quem contar. A tristeza lírica ou o esquecimento estrutural o molharam e a tudo ao seu redor também. As vacas gordas se foram. Esse mal dos buendias, que os fazem fadados a se repetirem se metamorfosiou na chuva que não cessava e mudou o futuro que deixou de ser como era antes. Não havia nada a ser feito. Nem mesmo um jose arcadio ou um Aureliano, ou mesmo amaranta poderiam mudar o que melquiades não se apressou a revelar. Tudo já estava dado. É quase que como começar a historia pelo final. E poderia ter sido feito, pois ainda assim teria ficado magistral.

Mas será que o mundo não é uma multidão de solidões amontoadas, todos contra todos, salve-se quem puder? Ainda existe o sentido comum, o sentido comunitário da vida e das lutas?

Kallebe Mendes
Enviado por Kallebe Mendes em 16/10/2018
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