Morte da Trans em Aracaju

"Parece que não percebem, há vida nas esquinas, e mesmo à noite, enquanto muitos dormem, há quem se arrisque em prol do seu sustento.

E você me dirá: Quem mandou sair de casa? Quem mandou escolher esta profissão? E eu direi: Será que se trata de escolha tão somente?

Ainda assim, nada justifica a agressão, os pontapés, os socos e até mortes destes que apenas vivem de uma maneira diferente da usual.Mas que são tão humanos quanto os outros, tão detentores de dignidade quanto os demais. Ou será que não? Sei que muitos viram o rosto e até ignoram, mas eles são, sim, sujeitos de direitos como nós. Cidadãos que votam, pagam suas contas e mantém o país, ainda que o próprio país não os legitime enquanto pessoas.

Talvez seja por isso que vivem como se fossem ilegais, não só despercebidos, mas explorados primeiro pelo Estado e depois pelo seu próprio semelhante.

E o tempo passa e nada se faz para melhorar a vida destes humanos que mais e mais são desumanizados e tratados como coisa.

E mesmo depois da sua morte, trágica, por vezes, são desmerecidos e mais uma vez destratados pelo Estado que nunca os amparou e pelas pessoas que fingiram não ver por toda a sua triste existência e que agora, insistem em não senti a dor alheia que não lhe diz respeito, mas que, na verdade, diz o quanto somos hipócritas e perversos, o quanto a humanidade desumana é contraditória e ridícula a ponto de fingir demência e permanecer agindo incólume diante das atrocidades que dia a dia são praticadas contra as minorias, como a morte da Trans em Aracaju, e crimes de ódio perpetrados pelas ruas das cidades do interior e das capitais do Brasil, mostrando o quanto que retrocedemos em nossa própria civilidade.

Até quando isso acontecerá? O que mais precisará acontecer para que haja uma mudança de paradigma nas relações humanas a ponto de atentarmos para o essencial:a vida humana e sua manutenção com dignidade, em vez de se preocupar com qualquer outra situação que nos pareça importante?

Chega de tentar chorar ou sentir uma dor que não se tem, deve-se lamentar tanta insensibilidade e valorizar o ser humano começando pelo respeito com o 'diferente'.

Sejamos humanos nos nossos atos e humanizemos uns aos outros. Talvez seja essa a fórmula para coibir estas atrocidades que ainda existem.

Mostremos o quanto que nos recuperamos de nós mesmos, do nosso homem interior, da nossa própria tendência selvagem, só assim a vida terá mais vazão do que a morte entre nós."