Cemitério de Flores

Ali jaziam, sem perfume, algumas espécies de flores as quais eu não conhecia muito bem. Não havia perfume, porém o cheiro era mais vívido do que a de um jardim repleto de flores vivas. O cheiro que pairava no ar como uma nuvem densa era o de fertilidade.

As flores mortas adubavam o chão terroso e úmido fazendo com que ali fosse não somente um cemitério, mas também um berçário.

“A vida começa onde a vida termina” - Pensei.

Andei por entre as flores escurecidas e deitadas de forma delicada ao chão procurando por algum vestígio de vida que tivesse cor, cheiro e nome. Alguma pontinha verde se espreguiçando para fora da terra e nada.

Caminhei a passos lentos para sentir o vento que anunciava a sua chegada. As árvores balançavam seus galhos e folhas como se lhe dessem as boas vindas.

Educadamente repeti o gesto das árvores e abri os meus braços para que o vento me abraçasse de volta.

Meus cabelos dançaram com o ritmo doce e livre, meus dedos das mãos estremeceram com o frio que o vento trazia, a minha pele se arrepiou e em estado de graça fechei os meus olhos para senti-lo em cinesia.

“Procuramos no chão o que por vezes está no alto ou diante de nós” - Pensei.

Não havia vida visível ao olhar humano naquela terra escura, mas no ar a vida dançava e cantarolava junto com as árvores. No ar o vento arrastava o tempo e no chão às sementes.

Era no ar que tudo acontecia e sem compreensão, talvez, julgamos como mortos os mais férteis dos terrenos.

Se os olhos não alcançam, se o olfato não sente e os ouvidos não ouvem. Conecte-se à sua alma e sinta com ela a paz da vida em seu estado perfeito de criação. Sinta a energia que emana em sua direção.

A morte que tocou cada flor e folha, cada caule e pétala as deitou tão carinhosamente sobre o chão que mais parecia poesia.

Elas foram morrendo aos poucos inclinando-se até o chão e ali naquele momento em que as flores caíram a terra as beijou e se fez cama.

“A morte vendo um jardim lindo e longe do olhar humano resolveu sentir pela primeira vez o cheiro de flores que não fossem em homenagem àqueles a quem ela buscava rotineiramente. Alegre começou a dançar pelo imenso jardim cheirando e tocando com delicadeza toda e qualquer flor. Quando abriu os olhos notou pasma que todas as flores haviam “se curvado” a sua dança graciosa.” - Pensei novamente e ri de mim mesma.

A vida chega a todo momento, nascendo e gritando com um alarde eufórico e cheio de amor (às vezes).

Talvez a vida e a morte trabalhem juntas.

A vida, hiperativa. A morte, complacente.

A vida chega gritando que a demanda está grande e que a morte precisa agir com mais eficácia e agilidade.

“Levem-nos, levem-nos. Há mais vida chegando, é preciso mais espaço.”

A morte por sua vez burocrática e detalhista analisa todos os pontos e só toma uma decisão quando sabe que é chegada a hora.

“Deixe que ele almoce com a família. Ainda falta um de seus filhos chegar. No momento certo eu irei lhe tocar”

Tememos tanto a morte, mas talvez, só talvez seja a vida abrindo espaço para que um novo choro surja em meio ao sangue de uma mãe.

Cristina Moraes.

(Música sugerida: Duetos das Flores/ Delibes- Lakmé)

Cristinna Moraes
Enviado por Cristinna Moraes em 30/12/2018
Código do texto: T6539182
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