Saudade(s)

Acredito que eu deva falar de saudades. Sim, deve ser. Faz bastante sentido falar sobre saudades sentindo o sopro do vento, e sentindo a poeira esbarrar na minha face. Alguma coisa daquele emaranhado confuso que conseguimos visualizar dentro do Ser que entendemos, tão narcisamente como nós... Quero dizer, eu. Não, não eu, você, você é seu eu. Você deve ter entendido. É estranho eu não me expurgar com um cigarro na boca falando nesse assunto, nem ter em mãos uma caneca que cheira a café e tem gosto de conhaque. Talvez o choro da guitarra ou as soalhas do pandeiro sambando, venham a dar conta de abafar essa gritaria. E voltando às nossas saudades, melhor retirarmos o ultimo “s”. Vejamos tal como ela é; singular. Não gosto de maneira alguma de mexer com ela, evito ao máximo, ela não anda sozinha. Anda de mãos dadas com um companheiro de longas datas, que vadeia pela noite escura, provocando barulhos, gritos... esse é o Silêncio. Essa duplinha dinâmica que eu temo com todas as minhas forças, sempre invade e entra na minha porta, vira tudo de ponta-cabeça e me faz de brinquedo, maltrata e me faz chorar. Depois de tudo isso, como se já não bastasse, sussurra baixinho ao pé do meu ouvido: Já não adianta trancar a porta. Eu vou voltar. É aí que pego meu isqueiro, o cigarro mais vagabundo que eu acho guardado na gaveta e dou um longo trago. Não sei o motivo, mas ainda busco maneiras diferentes de suspirar. Olha, eu sempre soube que as palavras tem poder. À parte disso, eu nunca imaginei que algo pudesse doer tanto como a palavra “saudade”. E ainda, tem o seu plural. Sou descrente que algo imensurável caiba em uma junção de sete, ou oito letras. Não sei quantas letras ao certo tem na minha saudade. Se não cabe num universo que é uma folha de papel em branco, imagina no meu peito? Bom, mas falando em outra coisa (talvez não exatamente de outra coisa) aqui, que é algo parecido com uma faca de dupla lâmina. Digo, eu quero falar de lembranças. Não é complicado falar em passado, difícil é não encher os olhos d’água. Será que as lembranças são nossa faca de dois gumes? Ah, é tão satisfatório remeter ao passado! Lembro da minha infância. Eu era uma alma ingênua e inocente que adorava colo, carinho materno... aquela sensação de que tudo seria eterno e lindo! E hoje, o que eu tenho? Aquilo que já vos apresentei: uma mera lembrança.

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Em contrapartida, é aquilo que tenho: uma boa lembrança, una, e minha. A conclusão que eu tenho, é essa mesmo; uma faca de dois gumes. Mas ela corta pelo lado mais afiado. O outro quase cego! Ah... nem sei se falo a ti como a saudade me dilacera. Melhor não... preciso tomar um café, já estou atrasado.