Poemas e remédios. (Parte Um)
A gente toma remédio e dorme mais.
A gente toma remédio e às vezes come de mais.
A gente toma remédio pra aliviar.
A gente toma remedio, às vezes, só por tomar.
A gente toma remédio pra dormir.
A gente toma remédio pra fugir.
A gente toma remédio pra melhorar, mas a gente melhora mesmo?
A gente toma remédio e se afasta, some, se desintegra dos amigos, da sociedade, da família.
A gente toma remédio e para de pensar.
Pensar no que? Você se pergunta. Em desistir, em parar, em se matar, de vez ou aos poucos.
A gente vai no psiquiatra e toma mais remédio do que na semana anterior.
A gente toma remédio por uma semana, achando que na seguinte não vai ter mais dor.
A gente toma remédio e se engana.
A gente toma remédio e espera.
A gente toma remédio e marca o psicólogo, porque só o remédio não adianta.
A gente toma remédio e não chora, porque essa bosta de remédio não deixa.
O remédio te deixa mais louca, mais paranóica: preciso tomar meus remédios, preciso tomar agora meus remédios. Se eu não tomar vou ter crise? Vou tomar meus remédios.
A gente toma o remédio e comete erros.
A gente engole a seco ou toma com água.
Às vezes com refrigerante, nem sempre com vinho branco, muito raro com espumante.
A gente toma remédio e vai trabalhar.
Eu preciso de dinheiro pra comprar mais remédios.
A gente toma remédio e vai sair.
A gente toma remédio e vive enquanto isso.
A gente toma remédio e finge não sentir.
Tem dias que a gente não toma o remédio. A gente pensa: eu tô melhor. A gente diz: já tô legal.
A gente toma o remédio e fica tonto.
A gente toma o remédio e vomita.
A gente toma o remédio e passa mal.
A gente vai no médico de novo e troca o remédio.
Mais duas semanas até o novo remédio estabilizar no meu corpo.
Duas semanas pra gente saber se esse vai fazer efeito.
A gente toma remédio pra ficar menos louco.
A gente toma pra se achar menos doido.
A gente toma remédio pra não chorar tanto no banheiro.
A gente toma remédio pra não decepcionar ninguém.
(Continua...)