O tempo que não tenho

Me lembro que assistindo o filme A chegada fiquei fascinada pela premissa do enredo: demonstrar como a linguagem afeta sobremaneira a forma que pensamos, nos relacionamos e particularmente, como atinge o entendimento do tempo. Venho refletindo que um dos maiores erros criados na nossa comunicação seja usar termos de posse pra o tempo: "ter tempo", "gastar tempo". Ninguém possui tempo. Ninguém pode mover ou carregar ele consigo, nem que seja um segundo, para lado nenhum. Seria mais correto dizer que o tempo é que nos possui e não o inverso. Vejo o tempo partido em pedacinhos, um bem coladinho no outro, bem pequenininhos, num tipo de tela pixelizada. Cada pixel é um instante de vida formando conjuntamente imagens, que sobrepostas formam um filme. Sou eu quem pinto a tinta de cada pontinho, é assim que "gasto" o tempo. Ou seja, em geral não tenho muita ideia da imagem como um todo, afinal de dentro de um ponto no meio de milhares e milhares, não dá pra sacar muito o que tá rolando no quadro geral. Mas se eu deixar de pintar esse quadrinho, a imagem fica incompleta. A vida é composta por incontáveis instantes nos quais a gente precisa estar inteiramente, e sabendo o que faz, não dá pra abrir mão. Eu acho que pensar que se possui tempo dá a ideia que podemos fazer o que quiser com ele, mas isso não é verdade. Tem algo para se cumprir a cada instante. Propósito puro. Fazer a nossa tarefa naquele quadradinho é também fazer um filme, é fazer arte. Viver exige disciplina, mas ainda assim é uma arte.