Admitir a verdade

A verdade pode ser muito cruel, e talvez por isso frequentemente nós nos obrigamos a não admiti-la, refugiando-nos numa felicidade ilusória, tomando o tônico Pollyanna* em vez de encará-la de frente. Entretanto, é o melhor que temos a fazer, ou senão jamais iremos amadurecer ou deixar de viver uma mentira que nos impede de aproveitar a vida. Quantas vezes, recusamo-nos a admitir que tal pessoa não é quem pensávamos, que muitas das coisas em que acreditávamos não passavam de ilusões que nos impediram de tomar as atitudes corretas em relação à nossa vida e que nós fomos cegos ou então estávamos vendo o mundo com lentes cor-de-rosa em vez de enxergar o cinza de uma determinada situação? Acontece que não enfrentar a realidade da vida não nos tornará pessoas melhores. Irá apenas nos frustrar, fazendo com que nos agarremos a esperanças que talvez nunca se concretizem, numa eterna expectativa de que, um dia, "aconteça alguma coisa."

A gente gosta de se iludir, de não ver os defeitos de determinada pessoa ou a inconveniência de uma situação e um dia, quando caímos na real, de repente é como se nosso mundo ruísse. Certas coisas que antes não percebíamos agora nos parecem tão evidentes que nos perguntamos como pudemos ser tão tolos. Entretanto, isso é muito comum e nos leva a agir como perfeitos idiotas em diversas ocasiões. É o caso da moça que continua com um namorado que não lhe dá a menor atenção em lugar de ver a verdade, mandá-lo embora de sua vida e tentar recomeçar, passando a se dar valor e a abrir seu coração para pessoas que a valorizem de verdade. É também o caso de quem se deixa enganar por esses gurus e videntes quando a lógica já mostrou inúmeras vezes que todas as previsões dessas pessoas são falhas e muitas delas se baseiam em meras especulações. Contudo, adoramos ser feitos de trouxas, de nos iludir e pagamos para ouvir alguém dizer exatamente aquilo que queremos ouvir. Ouvimos frases de efeitos do tipo: "você terá muito sucesso profissional"; "há algo ou alguém que está lhe impedindo de alcançar sua realização pessoal."

Admitir a verdade sobre uma pessoa é por demais doloroso. Às vezes, até desconfiamos que aquela pessoa não é quem gostaríamos que fosse. Todavia, encarar a realidade é difícil porque, de certa forma, é como se você "perdesse" aquela pessoa, o que ela significava para você. Só que não dá para nos iludirmos eternamente em sonhos infantis ou juvenis. Quando chega um determinado momento, temos de entender que só nós mesmos podemos cuidar da nossa realização, que tal situação que se arrasta há muito tempo precisa de um ponto final e que, já que não podemos esperar mais nada do mundo ou das pessoas, então, só resta esperar de nós mesmos.

*Personagem do livro de Eleanor H.Porter, que costumava jogar o "jogo do contente", no qual uma pessoa, por pior que seja a situação, deve procurar sempre ver o lado bom das coisas para se sentir feliz. Pollyanna se tornou um símbolo de otimismo.