Poema inacabado

Quero rasgar o papel. Quero catar todos meus cacos. Quero engolir todos. Um por um. Até a alma ser rasgada. Por inteira. Para morrer. Para renascer. Quero dizer tudo que está entalado na garganta. Quero gritar. Quero berrar para o mundo. O que? Tudo! Como tudo? Tudo! O que ensurdece o peito. O que não deixa dormir. O que me deixa em ar. O que te balança com os pés no chão. O que não tem explicação. O que tem explicação. O que é paradoxo. O que é objetivo. O que tem sujeito. Oculto ou não. Indefinido ou não. Há tempos não converso com o papel. Precisei me perder. Encontrei-me? Claro que não! A vida me pega. Sacode. Sacode. Sacode. Acode. Acorde. Sou feita de sentimentos. Sinto. Sentido. Amanheci triste. Amanheci com vontade de abraçar o mundo. Amanheci. Amanhã já esqueci. Flutuo. Fecho os olhos. As lágrimas vêm. A escuridão, amiga, cisma em quebrar. Meus cacos viraram cactos. Espetam. Não consigo completar frases grandes. Quero me jogar. Quero terminar o mais logo possível. Por quê? Dói. Corrói. Ilusão. Contradição. As lágrimas cismam. De novo. O novo tornando-se velho. Perdi o jeito. Não sei mais escrever. Não sei mais ser. Só tô sendo. Indo. Respirando. Esqueci completamente como amar. Ergui muros. Fui conservadora. Conservei o coração batendo, na palma da minha mão. Ele, tão lindo! Eu, tão eu! Fiquei hipnotizada. Quis entrar dentro de mim. Quis fugir. Quis entender tudo. Quis entender nada. Caí em mim mesma. Nada mais faz sentido. Quero eu fazer sentido? Quero eu catar as flores mais lindas do jardim? Quero eu me deixar? As metáforas se foram. Os rios não são mais como os castanhos dos seus olhos. Os rios se metamorfosearam. Os rios são redundância. A água sumiu. Não escuto mais nada. Não vejo mais nada. Na sinto mais nada. Me acabei. Me despedacei. Tornei-me um poema. Um verso. Um rabisco. Um traço. Um suspiro. Um poema. Inacabado.