qualquer coisa sobre vulcões
vulcanizar:
ouvi essa palavra dia desses
dizia da tristeza de um amigo querido
não dizia propriamente disso aliás
mas afeiçoei-me à palavra e quis fazer dela sentido outro
vaidade humana tola de tornar tudo pessoal e conhecido
não conheço de vulcões, no entanto
nada percebo sobre eles
exceto que fazem estrago grande a grandes e pequenas distâncias
- percebo, a propósito, é palavra que era outra, cá deste lado do atlântico
gosto desse uso que fazem dela
e tomei pra mim.
dos vulcões, como eu dizia,
sei deles que podem dormir sonos longos
como podem morrer de todo, virar coisa extinta
quando acordam - por que é que acordam?
sei que quando eles acordam, já então não há tempo para ir a parte alguma
já então o caos se fez. ou a calmaria.
penso que a passagem do produto do vulcão
deve de ter uma função poética, não posso crer que não tenha
algo a ver com purificação, com renovação, ou destruição que seja
destruir é preciso
vulcanizar é coisa fina
ninguém em tempos de agora tem tal permissão
tudo é visto, medido, pesado, comparado, tomado por juízo
tudo ganha nome e valor
vulcanizar não pode ser público
não pode aparecer no instagram
tem de ser coisa íntima
mas tem que ser pra fora
vulcanizar pra dentro faz câncer, no entanto, qual espaço que se tem?
ainda assim é preciso subverter a ordem
e, sim, vulcanizar:
expulsar seu produto de combustão
cuspir lava espessa
limpar do entorno tudo que é morno
tudo que não possa suportar suas altas temperaturas
mas e depois, o que é que sobra?
talvez ainda tenhamos medo de saber.