qualquer coisa sobre vulcões

vulcanizar:

ouvi essa palavra dia desses

dizia da tristeza de um amigo querido

não dizia propriamente disso aliás

mas afeiçoei-me à palavra e quis fazer dela sentido outro

vaidade humana tola de tornar tudo pessoal e conhecido

não conheço de vulcões, no entanto

nada percebo sobre eles

exceto que fazem estrago grande a grandes e pequenas distâncias

- percebo, a propósito, é palavra que era outra, cá deste lado do atlântico

gosto desse uso que fazem dela

e tomei pra mim.

dos vulcões, como eu dizia,

sei deles que podem dormir sonos longos

como podem morrer de todo, virar coisa extinta

quando acordam - por que é que acordam?

sei que quando eles acordam, já então não há tempo para ir a parte alguma

já então o caos se fez. ou a calmaria.

penso que a passagem do produto do vulcão

deve de ter uma função poética, não posso crer que não tenha

algo a ver com purificação, com renovação, ou destruição que seja

destruir é preciso

vulcanizar é coisa fina

ninguém em tempos de agora tem tal permissão

tudo é visto, medido, pesado, comparado, tomado por juízo

tudo ganha nome e valor

vulcanizar não pode ser público

não pode aparecer no instagram

tem de ser coisa íntima

mas tem que ser pra fora

vulcanizar pra dentro faz câncer, no entanto, qual espaço que se tem?

ainda assim é preciso subverter a ordem

e, sim, vulcanizar:

expulsar seu produto de combustão

cuspir lava espessa

limpar do entorno tudo que é morno

tudo que não possa suportar suas altas temperaturas

mas e depois, o que é que sobra?

talvez ainda tenhamos medo de saber.

Marina Borges
Enviado por Marina Borges em 07/09/2019
Reeditado em 07/09/2019
Código do texto: T6739635
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