Café-com-leite

          Por mais que eu tente, nunca consigo pertencer a um grupo formado só por mulheres. Indicativos disso estavam claros desde a 3ª série. Eu me esforcei para andar com as poucas meninas que tinham na classe, mas elas me excluíam sem motivo aparente, era como se a minha participação ali quebrasse o encanto.
          Com isso, eu brincava no meio dos meninos, e eles eram muito mais legais. Eu montava no lombo dos moleques para brincar de cavalinho de guerra, fazer bolinho de lama, bater figurinha. Minha professora, a rígida Nice, se preocupou e chamou meus pais para conversar, achava que eu tinha que andar com as outras meninas.
          Não, não pensem que eu não me esforçava para fazer a social, mas que culpa eu tinha se os meninos eram legais e as meninas me tratavam como lixo?
          Passados tantos anos, apesar do contexto histórico ser diferente, eu continuo sendo preterida em Clubes da Luluzinha, sem motivo aparente e em tempos os quais as meninas e mulheres levantam a bandeira do feminismo, da sororidade acima de tudo, da empatia incondicional, concluo que tais conceitos são relativos, pois não se aplicam a mim.
          Toda vez que sou atacada por haters (geralmente MULHERES), quem me defende são os rapazes e mulheres que não se consideram feministas, criticadas porque simplesmente não querem se rotular, mas que em compensação possuem os valores que eu acreditava que as ditas lacradoras tinham.
          Pois bem, alguns anos atrás, não tem tanto tempo assim, eu me considerava feminista. Em 2014, cheguei a ter uma fase radical de odiar a Barbie, mas no último ano sofri muitos ataques à minha arte vindo de mulheres e "amigas" que são tão feministas e defendem a Anitta com unhas e dentes, se a "poderosa" está deprimida com críticas, chuva de amor no Instagram dela porque tem que amar as manas e respeitar a arte das manas; quando eu pedia ajuda para lerem minhas histórias, só desculpas: "não tenho tempo".
          NÃO. TENHO. TEMPO.
          Ei, espera... mesmo que eu não ganhe dinheiro com a minha escrita, dedico muito tempo a tal ofício, seja praticando-o, fazendo leituras, aprimorando-me, não estou a brincar, como muitos que baixam o Wattpad e se acham escritores porque montaram um rants com perguntas de cunho sexual.
          Meus amigos apoiam essas pessoas.
          Eu vejo o feed.
          Quebra meu coração.
          Eles estão online, lendo qualquer livro, menos os meus. Pessoas que vão até para o banheiro com o celular dizem não ter tempo. Ora, sejamos francos: falta interesse.
          Seria mais digno dizer na minha cara no lugar de vir com desculpas...
E eu fui decepando minha personalidade forte para agradar essas pessoas, mais do que ser fiel aos meus princípios éticos e morais. Fui querendo me tornar uma Mary de mentira, até me sentir desgastada, me olhar no espelho e me perguntar o que aconteceu comigo...
Caramba... eu, Mary, odiando a Barbie?
          Não, rebobina essa fita, tem alguma coisa MUITO errada.
          Eu fui uma criança muito feliz, amava a Barbie e ainda amo.
          A Barbie nunca me trouxe qualquer dano à autoestima. Minhas únicas frustrações, por assim dizer, foram não ter aquele trailer todo pink que era febre nos anos 90 e algumas coleções, tipo a Mundo Jovem (eu era a Tori, aquela do skate), ódio não. E eu ainda sonho em ter a Tori, nem que seja numa caixinha.
          Nunca me comparei com uma boneca. Nunca medi minha autoestima com a de uma boneca. Para mim elas eram amigas, instrumentos de muita alegria porque desde pequena eu já brincava de novelas e elas eram minhas personagens.
          Eu brincava que era a Teresa (a amiga de cabelo escuro) e minha irmã era a Barbie (porque ela era loira quando criança), eu amava tudo quanto é tipo de boneca que se parecesse com a Barbie, aquelas de r$1,99, assim como gostava de jogar videogame e assistir futebol com o meu pai domingo à tarde.
          Cheguei a um ponto em que não me reconheci mais porque abandonei uma história a qual amava por medo de que considerassem o galã machista, isso porque o Guilherme era o "príncipe" da Raquel e possuía predicados que eu admiro em qualquer ser humano.
          Comecei a escrever para agradar a multidão e não mais a mim mesma e de um ano e meio (e muitas punhaladas) para cá, senti que me despersonalizei, que deixei de lado tudo que me fazia feliz para agradar as feministas, para me enturmar, porém nunca houve reciprocidade e até amigas as quais eu achava que eram por mim, me viraram as costas, eu corro atrás de idiota porque sei que elas não fazem questão, me canso, choro, me sinto desgastada por ver tantos amigos morrendo em vida, perdendo o sentido e não sei se mais alguém já se sentiu assim.
          Hoje, por exemplo, ao expressar minha opinião no Wattpad (já excluí aquela conta e não recomendo a plataforma se você não for adolescente que segue modinhas), uma garota que se diz feminista, me atacou e na falta de um argumento próprio para prosseguir a discussão que ela mesma iniciou, vale ressaltar, disse: "você está precisando de sexo".
          Isso mesmo: VOCÊ ESTÁ PRECISANDO DE SEXO.
          Oras, eu pensava que feministas eram mulheres altamente empáticas com a dor de suas manas, que as acolhiam, sofriam com elas, que não faziam distinção de região do pais, cor da pele, textura do cabelo, nada, e mais uma vez são RAPAZES que tomam minhas dores, as lacradoras estão bem caladinhas.
          Se eu disser que estou decepcionada com o feminismo, serei linchada, mas o fato é que se ele é representado por adolescentes como essa com quem trombei, fica difícil apoiar a causa.
          É fácil jogar na cara que sem feminismo eu não poderia votar, nem me separar do meu marido (se eu quisesse um), blá-blá-blá, mas por que é tão difícil se colocar no meu lugar?
          Eu simplesmente desabafei que ser escritora na referida plataforma não estava fazendo bem para o meu emocional, que considerava injustos os critérios dos avaliadores e não os considerava aptos para designar tal função. Porque esses "concursos" não são idealizados por pessoas que têm conhecimento para fazer a avaliação de um livro (uma história, como seja, acredito que você entendeu), são adolescentes que promovem os tais certames para dar prêmios aos amigos e não é a primeira vez que engulo injustiças.
          O problema de ser eu é minha incapacidade de ficar com a língua dentro da boca. Ninguém contém a revolta de uma escorpiana. Quando tenho que falar, por mais que perca amigos, sou sincera. Não posso dizer que falo a verdade porque caio no vício da soberba, meu ponto de vista não é irrefutável, por assim dizer, sob o meu prisma, direto da minha bolhinha, enxergo a realidade de tal forma, no entanto meu coleguinha terá outro parecer e por acaso ele está errado?
           Não.
          Nem um pouco.
          Por exemplo, se ele venceu o tal concurso, para ele os critérios são justos e a "obra" dele terá um selo, todavia por ser amigo dos avaliadores, o que me parece injusto, contudo insisto, meu olhar interpreta dessa forma.
          Quanto ao Wattpad, eu tenho muitas críticas e toda vez que desabafo, acontece isso: sou linchada virtualmente, atacada, humilhada e sempre por mulheres. Nunca vejo homem nenhum me machucar dessa forma.
          Elas me diminuem, me ridicularizam, me acusam de "vitimismo", todavia muitas vezes eu estive lá por elas e a retribuição vem com insultos de baixo calão, falta de respeito, difamação...
          A constituição me assegura o direito de me expressar livremente.
          A garota teve o atrevimento de vir até o meu perfil, me ofender, escrever injúrias a meu respeito e me deixar mais infeliz do que já estou com tudo. Da maneira como fui ofendida, concluí que a carapuça serviu muito bem, ela também deve gostar de ganhar concurso só por camaradagem das "manas" e outro ponto importante a salientar: acusou-me de ser egoísta, egocêntrica, estar escrevendo apenas por fama e popularidade e que ela, ela não, ela é diferente, quer "mudar o mundo com a sua escrita", só que eu, observadora nata, noto que não é verdade, o politicamente correto é o meio para atingir uma finalidade.
          Outra: eu escrevo por amor. Nem deveria gastar caracteres corroborando o óbvio: simples, eu amo escrever, revisar textos, criar personagens, tramas para eles, não ganho um centavo com isso, mas sigo porque não consigo me imaginar fazendo outra coisa da vida e não vou deixar que uma garota que nem me conhece me insulte. Ela deveria me respeitar, não se dirige a uma pessoa mais velha dessa forma.
          Por mais que eu não goste de rapazes do jeito que as outras mulheres gostam, como amigos, admito, eles são os melhores. A profª Nice que me desculpe, mas mil vezes brincar de cavalinho de guerra com o Lucas e o William a ser café-com-leite daquelas entojadas que me olhavam de cima em baixo como se eu fosse um estrume.
          Antes a exclusão poderia estar embasada no fato de eu não ter mochilinha cor-de-rosa e tênis com luzinhas ou qualquer outro objeto que era modinha na época, no entanto, o que explica esse ódio das mulheres contra mim agora?
          Não faz sentido!
          Não quando paro para pensar e vejo FEMINISTAS me odiando. Logo elas que pregam o amor, a sororidade, a empatia, a premissa de que "não somos rivais".
          Eu sou um alien, por acaso?
          EU TAMBÉM SOU MULHER! POR QUE MINHA ARTE NÃO MERECE ESPAÇO? POR QUE OS RAPAZES, A QUEM EU TANTO TEMIA QUE REJEITASSEM, SEMPRE ME LEEM E NÃO ME VEEM COMO UMA AMEAÇA?
          Sério, não queria me rebaixar ao nível delas, mas a impressão é de que elas me veem como uma ameaça (e eu não sei do quê), agindo como se estivéssemos no ensino fundamental, vindo com picuinhas.
          Sério, minha paciência já se esgotou!
          Ainda bem que apesar dos pesares, Lucas e William continuam existindo na minha vida e talvez eu esteja fadada a ser sempre a menina no meio dos moleques, mesmo que eu nunca venha a ser um deles. Antes descer o barranco de barro vermelho no cavalinho de guerra e rir até a barriga doer a ser café-com-leite e chorar sozinha perto de alguma parede pintada de cinza.
          Antes o riso franco por brincar sem distinção a ser café-com-leite, enquanto as outras correm sem olhar para trás como se você fosse portadora de algum vírus altamente contagioso.
Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 08/10/2019
Reeditado em 08/04/2020
Código do texto: T6764673
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