DESPERTAR

Ela estava deitada imóvel e com uma beleza que não pude perceber antes.

Ela estava empalidecida e com o rosto transparecendo uma calmaria e certo prazer em estar ali onde todos os seus medos também dormiram.

Havia um leve sorriso em seus lábios carmim. Me parecia que todo o sangue de seu corpo frágil e magro havia parado em seus lábios.

A sua roupa num tom de azul que só vemos no céu em dias de calor extremo do verão. Havia em mim uma certeza de que se ela abrisse os seus olhos ali eles estariam tão negros quanto a noite mais escura que já houve no mundo.

Todos a sua volta e em profundo silêncio poupavam-se ás lágrimas, aos gestos, aos toques. Apenas olhares baixos e murmúrios tímidos.

Ela seria a versão mais próxima do sol que qualquer ser humano já tivera a sorte de se aproximar. Teria tido todas as cores do na palma de suas mãos caso quisesse.

Ela teria sido tantas coisas que não consigo imaginar ao certo o que.

Trinta anos e aquela imagem dela que mais parecia uma pérola dentro de uma concha nunca saiu dos meus pensamentos e vez ou outra me fazia acordar no meio da noite.

Numa manhã ela passou por mim e o meu livro caiu, o café esfriou até que eu pudesse retomar aquele instante de vida que me foi roubado pelo passado. Era ela.

Tudo em que eu passara a acreditar ao longo dos anos desmoronou diante dos meus olhos, nada mais fazia sentido.

Todo o resto que antes fora tão importante e essencial, agora, findava em minha loucura que dançava agarrada com a minha inércia.

Eu já não dormia mais e a minha xícara nunca mais esteve vazia, diferente de mim.

No mesmo lugar todos os dias que se seguiram de minha vida que encontrou um estranho sentido quando tudo se perdeu.

A minha loucura era a minha companheira e minha cama, meu café e minhas roupas, as minhas palavras e os meus gestos.

Ela ainda exercia o mesmo poder sobre mim o qual eu não achei que sentiria depois de trinta anos. Ela me tinha na palma de suas mãos coloridas e frágeis.

O momento em que me dei conta de minha humanidade frágil foi quando o café queimou os meus lábios a dor apesar de pequena me acordou e aquela voz amadurecida, mas que ainda tintilava como sinos soou atras de mim.

Depois de tanta espera em que a minha loucura me convenceu que era uma busca ela surgiu. Era ela em toda a sua graça, era ela com toda a sua luz e os lábios de uma vermelho extravagante. Sua pele pálida e dentes tão brancos quanto uma porcelana. Os seus olhos negros como o espaço silencioso e calmo.

Era ela.

CONTINUA...

Cristinna Moraes
Enviado por Cristinna Moraes em 25/10/2019
Código do texto: T6778534
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