O Quarto

Moro neste corpo que hoje mora neste mundo.

Me encontro caminhando em passos lentos. Alguém muito apressado me julgaria parada. Compreendo, as vezes tenho a própria sensação da pausa.

Convivo comigo mesmo dentro de um quarto. Esse quarto é razoavelmente grande, o chão é de madeira, há panos pendurados, desenhos espalhados e expostos, fantasias e devaneios nos cantos, a própria fé vestida de matéria, a janela é grande e com uma paisagem que me punge o coração, principalmente quando o céu cora e a luz roseada banha a horta que fizemos.

Claramente esse quarto não é meu, mas me sinto a vontade nele como se morasse. (o comparo com meu corpo) Quem o inventou, é uma menina de olhos vivos e claros. Seu corpo magro tem todas as curvas que minhas mãos anseiam em passear. Ela é feita de toda fé e busca que me falta. Tem a alegria saltitante de um pássaro, a curiosidade selvagem de um felino e o amor de Vênus. Ela ajuda a manter a pulsação do meu coração.

Esse tal quarto, então, que tem sido meu esconderijo e templo, é distante de ter a estrutura que eu daria. Um quarto meu teria menos informação. Provavelmente porque preciso de poucas coisas diante da visão pra acalmar os pensamentos, que são diversos e intensos. Também porque não sou muito boa com a estética e organização de beleza. Infelizmente. Tenho outras qualidades mas a harmonia da matéria não é muito meu forte.

Tenho dificuldade de controlar a mente e sou propensa à tristeza. O motivo talvez de ser naturalmente boa com a música.

Aqui nesse espaço no meio do improvável, conhecido para mim como O Quarto, também mora essa pequena felina. Pela janela, as vezes a encontro subindo em árvores, caçando lagartos, deitada no piso frio, dormindo na escrivaninha e explorando os mesmos lugares todos os dias. Ela parece não se cansar da vida.

Se for ver, eu faço quase tudo o que ela faz, mas como ser humane, tenho essa natureza filosófica. Eu me alegro, me entristeço, me canso e me animo diante das aventuras da vida.

Tenho a mania de perguntar o porque existo, e longe desse quarto, a resposta seria: "Estamos aqui porque um espermatozoide foi mais rápido que outro".

Assim seguiram e seguem muitas vidas lá fora que viveram com essa resposta prática, e me arrisco dizer que foram felizes.

Cada com sua natureza, e de todas, queria eu ser como esse pedaço felino aqui do meu lado.

Aos poucos vou aprendendo a gostar e aceitar quem sou, sem abraçar a culpa ou qualquer outro drama.

Entre essas quatro paredes tenho vivido o meu mais belo silêncio.

Gosto muito daqui. Pensar na efemeridade desse momento me enche os olho d'água.

Quão lindo será, recordar daqui algumas décadas, como eu era ingênua, feliz e infeliz, vivendo de musica, amor, comida, horta, estudos e silêncio. Tudo isso dentro de um quarto que nem é meu.

Logo terei que sair dele, respirar fora do conforto, aceitar o que a vida pede.

Na janela escuto o vento sempre me chamando... E além de me chamar ele também me acolhe com compreensão e calma. Tempo belo. Presente momento, presenteando-me a existência.

Olho pro lado, e lá ela está... Aquela menina feita de vento. Atirada nua no chão desse quarto, preenchendo os quatro cantos com sua gargalhada e me dando a alegria de me vestir de seu corpo. Me sinto assistindo-a viver e, com isso, aprendendo a ser.

A pressa, o relógio, o lado de fora, a cobrança externa, a culpa, tudo isso machuca. Mas por vezes, dispo-me das questões, permito-me viver e entendo que o mundo inteiro é como esse quarto. Esse quarto não me pertence e muito menos o mundo todo.

Mas o que está dentro de mim, será sempre meu.

Gabi Batoni
Enviado por Gabi Batoni em 04/11/2019
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