O GRITO DUM OLHAR RENEGADO

Saí para chorar pela enésima vez diante do espelho como de costume, com inúmeras perguntas.

Porquê às pessoas me interpretam de diferentes formas, a maioria com olhares desprezíveis, facto que machuca a minha alma.

Fiquei preocupado por muito tempo, até perceber que nada é nosso, nada nos pertence, tanto o excesso ou até mesmo a ausência de beleza.

Sempre que saio para a rua sofro discriminação pela diferente aparência, tudo fruto da ignorância social.

É impressionante que até então poucos consigam aceitar o facto natural de que cada pessoa é original de si mesma, por isso é injusto e fora do contexto coagirmos alguém a se parecer com o outro, ou pior, desejar que o nosso próximo viva de acordo com às nossas utopias.

Cada ser é único no mundo, e da mesma maneira que pensamos e idealizamos uma situação adequada para nós, o outro também cria suas próprias fantasias. Nada é universalmente ideal, mas tudo é adequado na psique de cada um.

Sempre chorava e angustiado ficava pela dor do preconceito, andava sempre com a alma abatida, querendo entender a razão da minha renegação.

Sempre achei me senti o único peculiar. Até que um dia vi o João sendo elogiado por algo que ele não era, e eu sofria também por algo não que era.

Ambos estavámos vivendo momentos que não nos pertenciam. Porquê o João aquele moço que fuma e bebe consegue enganar a muitos, mas a minha aparência é que espelha os actos dele?

Então parei para pensar, muito desesperado e preocupado, e percebi que, ninguém tem uma aparência que espelha aquilo que cada um verdadeiramente é.

A vida é como um baile de máscaras e estamos todos desfarçados.

Às vezes sinto vontade de arrancar a minha pele, ou até mesmo trocar o meu semblante.

Talvez seria melhor se não tivesse uma identidade, pois a que tenho não me identifica.

Vivo tentando fugir do meu próprio eu a procura de sossego para a minha alma, procuro um lugar em algum canto do universo onde poderei andar sem que ninguém me arranque o estilo, onde poderei falar e sorrir sem que ninguém zombe dos meus dentes, um lugar onde serei atraente e a minha beleza será notória.

Quero gargalhar sem limites, pensar com toda liberdade e andar sem palavras pejorativas sobre minhas costas.

Estranho é, viver como um estranho Nada fiz de errado mas pago o preço por algo que não escolhi ser.

Quem dera se pudesse comprar um novo corpo ou pudesse me invisibilizar diante de cada ataque dessa maldosa sociedade.

Sairei a procura do meu verdadeiro corpo e devolverei o que tenho a quem pertence. Gritarei ao mundo:

"Oi mundo! Eu não bebo, não fumo, não sou fraco. Meu desejo é viver da forma mais honesta possível, estudar e ser alguém na vida. Mas os comentários sobre mim estão a comprometer a minha humilde vida. Por favor, a quem pertencem essas características?

Justo seria o mundo se todo o que bebe tivesse às devidas características de bêbado, o que é honesto, a sua aparência de honestidade, o que é corrupto apresentasse em seu corpo a tal corrupção.

Cada rosto deveria responder e transparecer a identidade da pessoa a quem pertence.

Às vezes fico com tanta raiva, que desejava que o mundo fosse composto somente por mim e as pessoas que verdadeiramente me amam, que não me tratam com leviandade e nem colocam olhares altivos sobre mim.

Sabe! Queria poder voar para longe como uma águia, ou ser minúsculo como uma bactéria ou sumir do mapa para que ninguém me pudesse achar.