Ensaio sobre o sal da terra

Ensaio sobre o sal da terra

Ludwick Bolach

04/12/19

A meu Deus e Senhor, Ele com toda sua glória, até quando eu não mereço, zelas por mim.

Observando tudo o que gostamos, saúde, lazer, objetos, diversões, algo se destaca: Nossa reputação. Gostamos de sermos apreciados. Não é de hoje que sabemos disso. Muitos monumentos, textos, quadros, livros foram feitos para exaltar esse aspecto humano. Varias técnicas desenvolvidas para nos destacar dos demais, desde a oratória até a própria moda.

E quando alguém nos aprecia, nos enchemos de alegria. Mas quando nós depreciam, nos enchemos de rancor.

Muitas atividades são realizadas com a finalidade de trazer alegria e satisfação, uma das mais eficazes é a apreciação.

Um morador de rua, com higiene duvidosa, teria todos os motivos do mundo para viver cabisbaixo e na eterna lamentação. Vemos vários que de fato estão nesta condição. Mas como explicar aqueles que estão acompanhados de apenas um cachorro e parecem mais felizes do que os que quase tudo tem? Ou aqueles que, junto a outros moribundos, não tiram do rosto o sorriso apesar das adversidades?

Uma parcela se explica pelo uso contínuo de drogas pesadas, claro, mas outra é pela própria alegria que sentem ao serem apreciados.

Apreciação aqui neste texto não se resume a elogios apenas, mas a tudo que forneça uma demonstração de que estão gostando de algo em nós.

Pode ser um elogio a nossa personalidade, roupas, cabelo e afins, pode ser comentários sobre nossas ações como feitos heroicos, ajuda ao próximo, bom gosto na escolha de objetos e companheiros de jornadas, pode ser um sorriso no rosto de em um amigo que nos viu e deixou claro que ele nos quer bem, ou da amiga, despertando esperanças de amor, enfim, a lista é tão grande quanto a experiência permite que seja, como George Berkeley suspeitaria.

O mais interessante é que nós podemos fazer tanto com que as pessoas se alegrem com nossas atitudes, quando as apreciamos das mais diversas formas, quanto fazer algo ainda mais impressionante, despertar a vontade de fazer com que elas se tornem pessoas que alegram o próximo com as atitudes delas.

Uma coisa é quando alegramos alguém ao elogia-lo, outra é além de elogiar, despertar nele o desejo de também elogiar outras pessoas, fazendo com que ele alegre outras pessoas, quem sabe ainda com que desperte em outras pessoas o desejo de alegras outros e assim por diante.

Alegrar? Novamente, quem sabe ajudar, socorrer, fazer o bem, ou como gostaria nosso Senhor “amar ao próximo como a nós mesmos “, e não apenas aqueles que amamos.

O artista consegue fazer isso em parte. Coloca-se na posição de alguém que quer agradar ao próximo. Se o faz para obter ou dar alegria, ou seja, pensando em si mesmo ou no próximo, pouco importa, pois já se sabe que está questão é situação difícil de concluir. Mas sabemos que, independente de sua motivação, entrega alegria ao próximo ( menos quando é mau artista, nesse caso faz o oposto).

Se todos tivessem esse dom de motivar seu próximo, não seria um dom. Raras são as pessoas que conseguem isso fazer, podemos as contar nos dedos das mãos, talvez somando alguns dos pés.

Mas não é necessário que todos a todo tempo consigam extrair o melhor de seu próximo. Mas sim que essa ação seja realizada principalmente nos momentos críticos de nossas vidas.

Quando alguém nos pede ajuda, podemos realizar o que for mais prático e rápido para dela nos livrarmos. Como isso despertaria o que há de melhor nela? Sejamos como o sal, que quando usado trás sabor ao alimento. Sejamos a ponto da pessoa sair de nossa presença tão salgada que salgue todos que encontrar, inclusive aqueles que preferem comer doces.

Não devemos fazer com relaxo em 10 segundos o que pode ser feito perfeitamente em 1 minuto. Salvo casos raros, tão poucos segundos a mais de atenção dificilmente atrapalharam seu restante de dia, sem dúvida farão enorme diferença para quem necessita.

Mas não é necessário dar pérolas aos porcos, há quem não queira ajuda, apesar de precisar. Nesse caso apenas sua intuição poderá te guiar. Talvez sua insistência ajude, talvez não. Ouça seu coração.

Tente compreender seu próximo com todas as suas forças. Lembre-se que quase ninguém gosta de admitir os próprios erros, ou colocar-se em situação de humildade. Pelo contrário, como amamos a nós mesmos, pensamos sempre estarmos corretos, enxergando a arrogância apenas como a constatação da verdade óbvia. Quem de nós nunca fez uma cagada e afirmou de peito cheio “está certo filho!” e após decorrer 5, talvez 10 minutos viu o coração acelerar e um pensamento surgir dizendo “como é que eu vou arrumar essa merda?”

Somos assim. Precisamos de tempo para reconhecer nossos próprios erros e incapacidades. Por vezes, alguém indicar nossos erros nos ajuda, ainda mais se forem quase invisíveis para nós. Mas há sempre uma maneira boa e outra ótima de o fazer. Ao invés de apontar o erro diretamente, pergunte se isso ou aquilo não poderia ter sido feito diferente. A própria pessoa percebera o erro e partirá dela a solução. Isso tornará mais fácil a aceitação e correção do tal erro.

Um exemplo prático.

Joaozinho chega em casa com uma nota vermelha em matemática. Sua mãe lhe diz “você não estudou e por isso tirou essa nota”, com isso, joaozinho começa a se defender, dizendo que estudou mas deu branco, que o professor não explicou a matéria... mil desculpas, menos admitir que a culpa é tão e exclusivamente dele. Todos nós fazemos isso. Quando apontados nossos erros, nos defendemos e não queremos aceitar a verdade óbvia. O finado Dale Carnegie escreveu vários livros apontando esse tipo de comportamento.

Porém, se a mãe de joaozinho ao invés de apontar o erro perguntasse “você não acha que é sua obrigação, e de mais ninguém, tirar notas boas?” provavelmente joaozinho admitiria que errou. Mas de que vale essa admissão se não for para conduzir a uma mudança nesse comportamento?

É por esse motivo que, independente de qual caminho a mãe tomou, mesmo sendo melhor o segundo por contar com a confissão de joaozinho pelo seu descaso com os estudos, o que levará a uma correção antecipada, a mãe deve puxar a sinta e fazer ela assobiar no lombo semi-rosado dele. Que fique bem claro que neste exemplo anteriormente citado, joaozinho tem 19 anos de idade, cursa ciências sociais e o lombo é uma peça de carne que ele comprou no açougue, evitando assim problemas com o conselho tutelar ou o ECA. Quem tem olhos veja, quem tem ouvidos ouça e na atual lambança do Brasil, quem tem cu tem medo.

Tente compreender de fato o que seu semelhante está precisando. Esteja vivo nas conversas. Não seja como a porta por onde as pessoas passam e elas nada fazem. Nem como os papagaios que apenas repetem o essencial. Se envolva na medida que for para você possível. E quando não conseguir entender, não se preocupe, há situações que não conseguiremos compreender, por mais esforços que façamos. Nestes casos, lembre que você também não é perfeito. Na maioria das vezes o tempo cuidará de terminar o que você começou.

Evite zombar de seu semelhante. Se até este momento estamos focando tanto em como a autoimagem de alguém é importante, o que seria mais ofensivo do que manchar essa imagem? O que ganharíamos com isso? Ser superior a alguém que é inferior? Não seria melhor ser aquele que ajuda aquele que é inferior a se aproximar de onde estamos? Tentando fazer com que ele seja igual ou superior a nós? Qual seria o mestre mais competente, o que treina seu discípulo a ser inferior ou o que faz com que seu discípulo se esforce para ser igual ou o superar? Pois entregou Jesus seus pés para serem lavados ou lavou os pés de seus apóstolos?

Entenda também que muitos zombarão de ti ou lutarão para que você se sinta inferior. E a vontade de revidar será forte. Pois o caminho que leva ao bem é sempre atacado pelo mal. Mas perdoe aqueles que te ofendem, assim como os que por ti foram ofendidos já te perdoaram. Se possível afaste-se destes. Se não for possível veja o que você pode fazer para mudar essa situação. Se nada adiantar, infelizmente será uma jornada difícil caso queira permanecer no caminho da retidão. Mas é dos caminhos mais difíceis que os melhores exploradores surgiram; dos mares mais violentos que os melhores marinheiros surgiram; dos tormentos mais pesados que a esperança renasceu. Resta apenas agradecer que são a poucas pessoas e a poucas situações que esta situação estrema é exigida, sendo que Deus não colocaria tal desafio sem propósito se não fosse para nos deixar mais fortes.

Faça o melhor que puder sempre que for possível.

Todos nós gostamos de ter o melhor possível. Se houver uma camiseta boa e uma manchada a venda, se a mancha não estiver na moda, pegaremos a camiseta boa. Tente apresentar o melhor de sua alma às pessoas, menos a aquelas que não merecem. Suas atitudes e palavras serão como luz na escuridão. E muitas vezes essa luz é tudo o que seu próximo terá de bom durante o dia, semana, mês. Onde você menos espera, há alguém se inspirando em você. E cada obstáculo superado ilumina a vida e cria esperança no coração dela. Apesar de ser uma boa frase para uma propaganda de produtos esportivos, de fato isso acontece. Pode ser um amigo, parente ou uma criança que tem você como inspiração. E se você pensa “até parece”, talvez seja a hora de rever suas atitudes frente a esse magnífico mundo.

Admitir seus próprios erros e buscar sempre melhorar abre nossos olhos para a bajulação. Alguns não querem nosso bem, apenas utilizaram os elogios e favores para receber algo em troca. Conheça a ti mesmo. Se você entende que deve ser o sal da terra e deve despertar em seu próximo o que ha de melhor nele, necessita você que alguém desperte isso em ti? Se acontecer, ótimo, mas não deve ser buscado por você a todo custo, pois você se venderá aos bajuladores para receber deles os elogios.

Quem vive para agradar aos outros não vive para agradar a si mesmo, tampouco para agradar a Deus.

Se você leu até aqui, talvez consiga enxergar como deve ser a atitude de um líder. No trabalho, política, igreja, entre amigos...

O líder inspira, não tenta ser superior e sim igual, evita apontar diretamente os erros, mas os aponta e os corrige, não zomba de seus subordinados e busca motiva-los, não se livra de pessoas ao invés de as orientar ao máximo, porém apesar de tudo isso, sabe que é o líder e assume seu papel, sem fugir da responsabilidade e sem ter vergonha das vantagens que terá, pois reconhece que ambas sao fruto de seu esforço em despertar o que há de melhor nas pessoas. É importante salientar uma situação, o líder é o primeiro a negar pérolas aos porcos, pois deve ser o primeiro a proteger seus subordinados.

Nem todos buscam ser o sal da terra. Apenas fazem uma ou outra ação quando conveniente para obter vantagens pessoais. Um exemplo é alguém que anda cheio de seguranças armados, mas faz discurso contra as armas. Ou luta pela distribuição de riquezas dos ricos, porém não distribuiu ainda a própria riqueza.

A hipocrisia está colada nessas pessoas. As vezes não é tão fácil enxergar. É papel do líder tomar uma posição, baseado em sua experiência e conhecimento, para agir contra as ameaças.

Da maneira que julgar serás julgado. Seja justo. Todos percebem a injustiça e não demora para buscarem corrigi-la. Quando você ver alguém que deveria ser o sal da terra fraquejando, não julgue. Tanto não é fácil quanto você poderia assumir naquele momento o papel. Se não o fez, fraquejou junto, se assumiu, pense se realmente foi tão simples e se coloque no ligar de seu semelhante.

Não é fácil. A rotina espanca nosso espírito. Até mesmo um bom dia sai com dificuldade para alguns. Se fosse fácil ser o sal da terra em todos os momentos não teria o valor que tem. E é bem nos momentos em que menos queremos iluminar os que estão ao nosso redor que se faz mais necessário a iluminação.

Não será fácil. E você, assim como eu, vacilará. Somos imperfeitos. As preocupações nos afastam de aproveitar cada momento da vida. Se há calmaria, começamos a adiantar planos futuros. Se há turbulência então, credo, parece que aparece problemas de cada bueiro por onde passamos. E mesmo a experiência mostrando que tudo passa, que os momentos ruins dão lugares a outros bons e na sequência outros ruins sucessivamente, não adianta. Apenas alguns iluminados, onde não me incluo por hora, conseguem caminhar tranquilo e vencer sem preocupações. Sem confundir ficar tranquilo com indiferença.

Já concordaria Montaigne, é necessário levar os problemas sem perder o foco do momento.

Indiferença ou preocupações excessivas. Qual executa melhor a tarefa de fazer com que a vida passe sem a aproveitarmos? Indiferença não nos deixa aproveitar momentos bons, preocupações nos deixa apenas momentos ruins.

Oscilar entre as duas não resolve, resta apenas aproveitar mesmo com preocupações. Não deixe de tentar se iluminar mesmo em meio aos piores momentos. Nem sempre é possível, mas quase sempre é.

E nos livre do mal

Amém.