A boa lembrança de um Fantasma que ainda se faz presente

A fantasia original é pautada no desejo infantil, mas ela parece permeável, pois alguns elementos parecem ter suas representações introjetadas dando uma nova estrutura e finalidade. Ou , talvez, haja fantasias novas, formadas, que se conjugam com a originária influenciando nossas percepções e condutas. Meu elemento recente fez eco, pois a fantasia veio sobre a forma de lembrança, daquelas boas, não afiançada pela raiva ou a mágua, mas acompanhada da saudade, afeto bom, que embora doloroso e promotor de lágrimas, me fez sentir aquele jeito bom do início de olhar, de me senti contemplando o rosto que sorri da coisa mais banal e do encontro real, mesmo que dentro da própria ideia fantasmática, mas que dava cor e me fazia visto enquanto em mim também se via. São dolorosas as lembranças engendradas por uma fantasia e se tratando desta , nada se garante de seu caráter de realidade, mas isso não anula o fato de ser real em quem a vivência, pois é essa nota imaginária e simbólica que direciona nosso modo de ver, sentir e gozar. Com dolorosa alegria posso dizer que aquele que mais me machucou foi também aquele que mais tem permanecido como um fantasma , que hoje me afetou pelo lado bom de quanto o amor ainda era o afeto mestre. Mas não me engano. Já sabia mesmos antes de começar - só que saber não muda o sentir - que amor é par perfeito do ódio, é o lado complementar da relação meio perversa em que o objeto de ternura em algum momento precisa ser destruído. Assim, nesse amor ódio, hoje me lembrei de você pela vias do primeiro, em que com o peso da perda não anulou a possibilidade de deleite. Permito-me gozar pela memória o bom que marca, pois não se apaga o que se inscreve no corpo desde que haja dois, unidos em encontro e que, às vezes, podem ser encontros de composição. Triste , não deixa de ser , ter que dizer que ainda te amo, mas é um amor mais lúcido, cuja natureza se dispõe agora a abrir mão internamente deste amor que já não se mostra, para que ele possa ser agora de alguém, pois o meu já foi devolvido , duas vezes, de modo dolorido, e recentemente tenho me apropriado dele como uma reivindicação de libertação das amarras que esse jogo de amantes colocou; mas, em minhas mãos está, e, em algum momento, todo este processo recomeçará e , compondo uma nova fantasia , inserindo um novo ser de amor e ódio. Ela irá se formar conduzindo cada passo do Eros que me compõe, que está também no outro e no grande Outro que permite a pulsionalização dos corpos. Mas diante das ausências de discursos no processo que conduzia o desenlace, nossa marca primeva, perguntava-me : e se as palavras tivessem mediado.? E se o não dito encontrasse o simbólico? E se a ausência não tivesse acionado os fantasmas paranóides? E se eu e você tivéssemos optado pela cautela ou o silêncio necessário no momento certo? E se não fossemos vítimas do nosso narcisismo e desamparo abrindo mão do outro e aceitando esta decomposição do elo entre dois sujeitos. De nada adiantaria , pois a pulsão de um já não havia selecionado o outro como seu objeto de amor e desejo. E isso não é algo culpável, é o preço da humanidade.

Abraão Rodrigues
Enviado por Abraão Rodrigues em 23/03/2020
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