PENSANDO E VIVENDO FORA DAS CAIXAS DE ALVENARIA

"E, quando Jesus ia saindo do templo, aproximaram-se dele os seus discípulos para lhe mostrarem a estrutura do templo. Jesus, porém, lhes disse: Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada." (Mateus 24:1-2.)

Lembranças de minha infância durante a maturidade são sempre uma constante nos meus momentos de reflexão sobre a vida. Morador de uma comunidade pobre na zona sul da cidade do Rio de Janeiro quando criança, jogávamos futebol nos becos da favela; vale lembrar que no alto do morro, entre as vielas estreitas e barracos improvisados de madeira, tijolo, cimento ou estuque de barro, no mais completo desnível do solo, com buracos e afloramentos rochosos, muitas vezes com uma bola furada recheada de papéis e plásticos, baliza improvisada com chinelos contado á passos, e contra toda a perspectiva racional, contando quase sempre com a compreensão de quem transitava pelos becos.

Dentro de nossa imaginação, qualquer pequeno espaço se transformava num campo de futebol, com nossas regras, porém sem as paredes de um estádio que pudesse delimitar o nosso imaginário.

Dito isso, me vem um questionamento, pois ao passar do tempo em nossas vidas, deixamos de ser infanto e passamos a adentrar as estruturas de ordem social, que tem por fim regular o nosso comportamento em meio a sociedade, sob a égide de normas e regras que visam a ordem, com a finalidade de socializar os indivíduos. Cito como exemplo as associações, escolas, partidos políticos, família e religião e sobre essa última gostaria de tratar.

É bem sabido de todos que não há uma necessidade de que se tenha uma base física para que uma organização seja uma instituição, pois a título de exemplo podemos citar o casamento, a linguagem e etc. Portanto me parece haver um desafio e ao mesmo tempo um desconforto grande para que no ocidente isso seja possível, vide o poder atribuído as instituições como detentoras de suas essências. Historicamente podemos observar o menino Jesus no evangelho de Marcos 6:2 pondo tudo isso em contradição, quando por exemplo é dito acerca dele: "De onde lhe vêm estas coisas? e que sabedoria é esta que lhe foi dada" como se o que ele dizia teria de vir de algum lugar ou de alguém. Uma visão de que as instituições e as pessoas instituídas são capazes de deter todo saber, como se isso pudesse caber no interior das paredes de uma caixa.

Essas organizações via de regra possuem as suas materialidades no espaço, portanto não é de admirar que elas causem tanta admiração por quem passa e ainda mais por aqueles que as frequentam. Todos os dias, por diversas razões e independente de se acreditar ou não "zilhares" de pessoas frequentam os templos, por devoção, em gratidão, através de olhares curiosos, outros contemplam a sua arquitetura buscando algum significado de temporalidade e subjetividade em suas formas, ou até mesmo alguns outros indivíduos mais críticos procuram alguma relação contraditória... pois acredite: as instituições têm lá as suas contradições. E talvez possa nos proporcionar uma admiração maior: Um prédio talvez seja a materialidade do que não mais o representa.

Me parece que os discípulos ao observar a estrutura do templo, não perceberam as rachaduras morais, espirituais e de caráter que já corroíam esses fundamentos. Cristo então adianta a eles que não ficariam pedra que não fosse derrubada. Imagino que isso tenha causado uma surpresa enorme, seguida de uma grande decepção... que logo deu lugar a curiosidade a respeito dos finais dos tempos.

A mesma organização que têm a sua estrutura condenada é capaz também de engessar e nos fazer estáticos quando estamos fora da sua engenharia, fora da sua liturgia; sendo assim, esta atesta que o nosso comportamento in loco é um, cheio dos ritos decorados pela repetição ao longo dos tempos, com horários e atos já concebidos de um ser institucionalizado. Daí quando esse prédio cai, quando por algum motivo somos impossibilitados de estar lá, parece que perdemos o chão das certezas da função das instituições na sociedade.

Outro dia indo para o trabalho num ônibus, vi através da janela um palanque sendo montado em uma praça onde seria realizado um culto evangélico, ali havia um púlpito num palco com estruturas tais como luzes, som, cobertura entre outras coisas, também haviam cadeiras de plásticos organizadas como se transformasse aquela parte daquela praça no interior de uma igreja. Aquilo me fez pensar o quanto ainda somos dependentes de uma fôrma ou uma única forma para fazer a mensagem do evangelho conhecida. Parece também que não conseguimos nos desprender das regras de culto fora do templo, havendo assim uma constante fusão da liturgia com a mensagem. E haveria essa possibilidade?

Vejo que o evangelho não é reunião, o evangelho é sim o encontro de pessoas: O ser humano e Cristo. Muito bem representado por exemplo no evangelho de João denotando que Jesus não é adepto as regras, horários e liturgias, mas sim aos encontros, ao diálogo, as analogias e as idéias, desprendendo-se totalmente das materialidades e apegando-se profundamente a humanidade. Talvez esse seja o nosso maior desafio como igreja: entender de uma vez por todas aquilo que diz em 1 Coríntios 6:19 “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?”

Por quê será que crianças não precisam estar num estádio, nem mesmo ter uma bandeira do seu clube do coração, ou ainda ter a camisa de seu time ou uma bola oficial em perfeitas condições para manifestar a sua paixão e desejo de praticar o seu esporte independente das circunstâncias? Talvez seja porque quando somos crianças, ainda não foi implantado em nós a "institucionalização do ser" de forma que o que pensamos da vida não vem do ter, tampouco do ser e sim do amar o próximo em detrimento das materialidades e dos comportamentos incutidos em nós pelas organizações de alvenaria, que precisam doutrinar os nossos corpos através de ritos, repetições, liturgias e comportamentos, não importando para tais organizações a humanidade do ser e dos sentimentos.

É preciso ser igreja, independente do que tem ou do que acontece lá dentro.