Manhã no Rio (parte 2)

Primeiro, eu sabia nadar o mínimo para não permitir que eu me afogasse, segundo, todos comentavam que o poço não estava tão "fundo" quanto no passado, terceiro, havia muita gente ali e se algo acontecesse, logo a ajuda chegaria. Bem, após essa contextualização dos acontecimentos para que você, leitor, não pense que eu fui totalmente um inconsequente, continuemos.

A água do poço estava na altura do meu nariz, de modo que para que eu pudesse respirar, eu precisaria a todo momento ficar saltitando dentro da água. Uma característica do poço que precisa ser descrita aqui, era que na parte frontal do poço, onde a água deveria acabar, não havia areia, e sim, um lajeiro (afloramento de rochas) de modo que a borda do lajeiro que dava para a água era usada por nós para pular para dentro da água onde ficava o poço, e para sair de dentro do poço, era preciso escalar o lajeiro que era verticalmente plano com uma leve inclinação íngreme e coberto de crostas levemente onduladas que usávamos para nos segurar e para nos içar para cima do lajeiro e para fora do poço, por ele ser um pouco íngreme, conseguíamos sair do poço até com certa facilidade, desde de que se tentasse com calma.

Então lá estávamos todos nós, nos divertindo, sem preocupação, sem consequências. Até que o meu primo resolveu se aventurar e juntar-se a nós na "rave" que estava acontecendo no poço. Ele tinha mais ou menos a minha altura naquela época, mas era muito mais gordo que eu. No momento em que ele saltou para dentro do poço, mostrando que também era digno de estar entre os desbravadores inconsequentes, eu confesso que fiquei surpreso. Mais tarde, nós homens entendemos que é assim que somos aceitos por grupos de homens mais maduros, quando conseguimos nos igualar aos mesmos em coragem e competência.

Ele também utilizava a técnica que nós estávamos usando, saltitar para respirar. No entanto, ele não sabia nadar, e sempre foi muito ansioso.

No momento em que ele decidiu sair do poço para cima do lajeiro, por conta do seu peso e da sua falta de experiência, ele escorregou e acabou descendo para dentro do poço novamente, e todos já ficaram atentos. Mas ele tentou uma segunda vez. Mãos nas crostas do lajeiro. Mas o impulso era fraco demais para alçá-lo, talvez por ser pesado, para ele fosse mais difícil. Ele escorregou pela segunda vez, só que agora, aparentemente por estar nervoso por ter errado as tentativas de saída do rio, ele tinha esquecido de saltitar, e estava engolindo água! Sim, porque ele tinha mais ou menos a minha altura e o nível da água ficava acima do nosso nariz.

Ele estava se afogando em um local cuja as manhas ele já tinha dominado. Aliás, fica aqui a dica, sempre mantenha a calma. Não importa se a sua mãe morreu, se seu pai está com câncer, se sua namorada ou namorado te deu um pé na bunda, se você perdeu o emprego, ou tirou 0 na prova para qual você estudou, mantenha a calma, quando você entra em pânico, a lógica e razão vão para o ralo. Respire fundo, perder o controle sempre vai piorar tudo. É clichê, mas você percebe com o tempo que os clichês são sabedoria pura, só que subestimada.

Meu primo não conseguia se alçar para fora do rio, estava se afogando com água até o nariz, por conta do raciocínio nublado pelo nervosismo. Hilário. Até que dois caras, muito ágeis por sinal, resolveram empurrá-lo para cima. O impulso que estava faltando para que ele se livrasse da água. E ele conseguiu. E aí começaram os risos, as zoações. A cena do "afogamento" durou no máximo 15 segundos. E eu não fui ajudá-lo porque estava longe, e também sabia que naquelas condições ele não iria se afogar. Pelo menos hoje ele sabe nadar... Eu acho.

Findado o show de mergulhos de risco, banhos frios, muita conversa jogada fora e princípios de afogamento sem lógica nenhuma. Para casa temos que voltar. É a vida, garotada. Cerca ultrapassada. 8 de minutos de caminhada e eis que chegamos novamente no Rio das Carnaúbas. Meu primo vinha muito cabisbaixo, e já eram 11 horas, nós tínhamos saído de casa às 8. Mas esta história ainda não acabou. Nos despedimos dos nossos camaradas e fomos para casa. Eu já sabia que levaria uma bronca da minha mãe por ter demorado tanto, mas não esperava o que de fato aconteceu. Quando entramos em casa, Minha mãe veio praguejando e dando bronca e olhou para o meu primo (que no caso é sobrinho dela) e disse que tinha recebido uma ligação da minha tia, irmã da minha mãe e mãe do meu primo, dizendo que tínhamos ido para o Rio da Várzea da Onça e que tinham ido falar para ela que o filho dela quase tinha morrido afogado no rio... Na verdade, um dos caras que tinha ajudado o meu primo tinha se encarregado de espalhar a notícia por toda a vizinhança do meu primo (esse cara que tinha ajudado meu primo com um empurrâozinho era vizinho do meu primo)... Naquele momento, metade da Várzea da Onça já estava sabendo meu primo tinha quase morrido afogado no famigerado poço da Várzea da Onça. Isso porque o cara chegou em casa antes de nós, espalhou a conversa para as pessoas da Várzea e para a minha tia, e claro com muito mais drama e fatos irreais (os seres humanos são bichos esquisitos). Meu primo ficou famoso, de uma forma negativa naquele dia. E o nosso dia que tinha começado tão bem, infelizmente teve um desfecho nada feliz. Meu primo nem ficou para almoçar de tanto medo da mãe, pegou sua monark (não se fazem mais bicicletas como antigamente) e "voou" para sua casa, para tentar dar suas explicações à minha tia e mostrar a sua visão dos fatos. Em suma: ela proibiu ele de ir ao rio, deu uma corça nele. E eu, também escutei inúmeros sermões.

Foi uma história que marcou minha adolescência, pelo começo alegre e o fim completamente impensável. Viver é negócio muito perigoso, como dizia Guimarães Rosa.

Obrigado por lerem esta segunda parte!

Em breve postarei uma próxima história!

Costa Joel
Enviado por Costa Joel em 09/04/2020
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