Caixa de Brinquedos

Onde está aquele vigor que me fazia levantar antes da aurora, fazer tantas e tantas coisas? Eu indago por ele pela casa, pela rua, mas não vem nada. Agora eu só desejo dormir e olvidar. Eu digo a mim mesma, enquanto faço o que tem que ser feito (não o que importa, que eu também não sei), que algo irá acontecer; chegarei lá (onde mesmo?)... ter meus próprios dias de glória e não só me sentir feliz pelos dias de glória de outros...mas, mais um dia passou, mais um dia eu não tive ânimo, coragem...mais um dia em que ao fim do dia só quis deixar tudo para lá; mas, virão mais dias e eles são como uma cela... senhor e escravo...estou sempre caminhando mas meus passos perdem o rastro, ficam imprecisos, como numa cena de crime. Dormir para sempre...e incomodar os que pensam de mim gostar e me conhecer... Não eu não, não hoje. E mais um dia eu vou para caixa ao final do dia, uma caixa de brinquedos velhos e gastos, mas ainda úteis nas horas de cisma e tédio. Vou com a certeza de que alguém, ou alguma coisa, abrirá a tampa novamente, novamente será dia, novamente terei de me recompor, catar os pedacinhos... que, no entanto, eu não sei onde estão e tampouco me lembro de ter sabido um dia. Novamente o 'amigo dedicado', o 'coração valente', as mãos àsperas do trabalho que não termina e, no entanto, é, e será, sempre o mesmo... Já não sei retirar a maquiagem; tento retirar a máscara, mas quando olho no espelho verifico, nas beiradas, retirando com cuidado, que não há nada por baixo...como um céu estrelado, brilhante, mas vazio por dentro. Então eu a recoloco no lugar e as expressões estão bem feitas, marcadas e sabedoras de cada hora de apreciação ou depreciação. Um dia, alguém, alguma coisa, se esquecerá de abrir essa tampa da caixa de brinquedos e, então, será sempre uma noite, abafada, porém tranquila e com a companhia, quiça, de outros brinquedos que divisarão, também, essa longa noite; noite abafada, porém silenciosa, tranquila e absolutamente vazia onde eu não terei que dar por mim nem por nada.