NUNCA TIVE LUGAR NA VIDA DA MINHA MÃE

Hoje eu tento entender o porquê de nunca ter conseguido ter espaço na vida da pessoa que deveria me amar, mas não consigo encontrar nenhuma justificativa. Por vezes me culpei pelas atitudes dela, mas não é minha culpa. Tento compreender isso, mas é difícil.

A rejeição e o descaso me deixam tão mal e, mesmo que a situação tenha melhorado, eu às vezes caio nas lembranças e me sinto péssima. A sensação de ter culpa, de ser uma pessoa ruim e com defeito. Um objeto.

Fui a filha da vergonha, nasci de uma adolescente que não tinha nenhuma estrutura para ser mãe e que me vê como o pivô disso. A prova de que sua vida parou no momento que eu nasci. Fui o rótulo que a marcou para sempre.

A minha mãe nunca vai me amar como filha. Por mais que isso seja difícil de entender, ela nunca poderia. Mesmo quando ela tenta acertar comigo, ela falha e me magoa demais.

Não é fácil para mim, admitir isso. Me dói sentir que ela se cobra, mas amor vem de dentro e algumas pessoas simplesmente não conseguem amar outro.

Hoje ela me magoou e nem percebeu, em algumas palavras simples ela me deixou sem chão e me fez relembrar as vezes que fui tão só por causa de suas atitudes. O que mais dói é ver o amor que ela tem pelos filhos planejados, a inveja de ter uma migalha desse pequeno amor, mas não posso. A minha mãe nunca conseguiu me abraçar, nem me beijar e quando ela sabia que me magoava, ela me dava presentes. Eu só esperava um “me desculpe”, mas ela nunca conseguiu.

Me sinto tão mal falando dela dessa forma, me sinto péssima em ter que assumir essa rejeição, mas são fatos e não tem o que fazer. Hoje eu sonhei com o dia que ela me expulsou de casa. E vi novamente ela olhando pelo espelho e me dizendo “quando eu voltar do trabalho, não quero ver mais você aqui”. Eu tinha dezessete anos.

Procurei na minha mente descobrir porque ela me odiava, mas nunca achei o motivo. Ela apenas não conseguia me amar e acho que isso a fazia ela sentir mais raiva de mim. Depois veio o ciúme da minha adolescência, do meu gosto de estudar, da minha forma de ser, de não querer ser igual a ela. Escutei por diversas vezes “na sua idade eu já fazia isso, na sua idade eu não dava satisfação, etc”. Ela queria que eu fosse rebelde, mas eu não podia, porque eu era diferente.

Nunca fui na vida dela o que ela queria, e pela milésima vez ela tentou me excluir, e eu qual verme, me rastejei e implorei por algo que nunca teria. Eu só queria que ela me enxergasse.

É interessante como esse desprezo é contagiante, meus irmãos ao crescerem agem igual. E mais taxativos do que ela, não querem nenhum contato. As relações são construídas, e não tivemos tempo para isso. No mundo deles, fui a filha que saiu de casa.

Hoje eu relembrei como me senti quando realmente tive que sair de casa depois de tantas e tantas expulsões. Me perdi nesse tempo, sozinha e me sentindo um lixo, sempre buscando caber na vida de alguém, me perdi e fiz tudo que ela disse que eu deveria fazer e ser. Me tornei pior que ela.

Quando fui embora de casa, eu sempre voltava escondida para ver se meus irmãos menores estavam bem e numa dessas voltas eu encontrei o carro de mudança em frente à sua casa. Perguntei para um deles onde iriam morar e ele respondeu na sua simplicidade infantil “se eu te falar vou levar uma surra de fio”. E eu fiquei de longe escondida vendo o caminhão da mudança se perder ao fim da estrada. Não sei dizer como me senti naquele momento. Não chorei, isso lembro, quando recordo esse dia me dói, porque não senti nada, absolutamente nada.

Eu sentia muita vergonha de assumir o porquê minha mãe me expulsou de casa, as pessoas logo me julgavam. Hoje não me importo mais, ela tinha ciúmes dos amantes. É triste dizer, mas foi assim que tudo isso se deu.

É interessante como o tempo passa e as cicatrizes continuam, não doem tanto, mas estão ali e sempre estarão. Eu sei que nunca vou me recuperar de tudo o que vivi, mas a cada dia tento ser melhor do que ontem.

Hoje existe uma nova realidade, a religião ajudou a minha mãe a repensar, mas por outro lado foi mais uma forma de exclusão para mim. Mais uma vez não me encontro em seus ideais estabelecidos e minha presença não é bem-vinda por não querer ser mais uma vez o que ela deseja. Afinal o que nasce para dar errado, nunca dará certo.

Escutei recentemente da mulher do meu irmão aconselhando-a a me avisar que meus filhos podem ir passar o final de semana com ela, mas para eu não ir. Não ir na casa da minha mãe. E ela concordando. O que senti? Asco.

E dói saber que isso é minha vida, pedaços do que completa minha história.

E são nesses momentos que me vem tudo o que passei. E lembro que quando fui ao fundo do poço, quando eu realmente achava que deveria pôr um fim a uma vida que nunca deveria ter existido, fiz uma escolha. Recomeçar.