O QUE PROFESSA MINHA EDUCAÇÃO?

Em tempos difíceis é bastante comum distanciar-se de conceitos básicos como ética e solidariedade. Nesses dias de quarentena ouve-se muito dizer que “estamos todos no mesmo barco”. Contudo, a realidade nos mostra que uns possuem iates, alguns possuem canoas e outros estão apenas agarrados a um tronco que bóia sem direção. Desta forma é possível concluir que a frase correta seria algo como “estamos todos na mesma tempestade, mas cada um com o barco que possui”. Um momento tão delicado quanto esse pode servir para que o indivíduo repense seus hábitos, valores e costumes de modo que as virtudes deixem de serem conceitos abstratos e façam parte de nossa prática diária. Tal ideia é difícil de ser concretizada, pois vem sendo pregada desde os tempos de Aristóteles.

A COVID-19 vem demonstrando para a sociedade o real sentido de “cada um precisa fazer sua parte” e junto a isso traz uma reflexão: até que ponto estamos pensando no bem coletivo? Talvez não seja preciso comprar 10 frascos de álcool em gel sabendo que você mora sozinho! É possível afirmar que a sociedade atual vive uma crise e esta se estende por diversos setores incluindo a educação. E quando esta última não esteve em crise?! Parece que se retomou àquele dizer muito utilizado pelos mais velhos: “estudou, mas não tem educação!”. Dando um pouco mais de importância à frase dita anteriormente encontra-se uma nova dúvida: o estudo garante a educação?

Utilizando a atual crise como exemplo parece que a resposta para a pergunta acima é um estrondoso e sonoro não! A ação de pensar no próximo não está relacionada apenas com o nível de educação de uma pessoa. Ela envolve muitos conceitos e um deles está relacionado às crenças de um indivíduo. Toda crença possui um conjunto de virtudes que julga necessárias. Estas, ao menos na teoria, regem o modo como o ser humano trabalha, convive, se desenvolve social e educacionalmente. Mas qual seria a influência da religião na educação de alguém?

Existe um extenso debate sobre a relação entre religião e educação. Isso, entre outros fatores, acontece porque tanto uma quanto outra se preocupa e/ou se ocupa com a formação integral do indivíduo na sociedade. O preparo do indivíduo para o convívio em sociedade está listado em diversas normas que norteiam atualmente o trabalho do professor, indicando assim a grande importância do que muitos chamam de saber viver em sociedade. Muitas religiões compartilham disto e em seus ensinamentos prezam pelo altruísmo e pelo respeito.

Em pesquisa própria foi possível analisar a relação citada no início do parágrafo anterior em três vertentes religiosas: budista, evangélica e católica. Esta análise mostrou mais pontos convergentes do que divergentes. Também explicitou o poder transformador da educação na vida de um indivíduo e como a falta de prática gera perda de todos os ensinamentos, sejam eles religiosos ou educacionais.

Iniciando com a corrente budista a entrevistada, que pratica a religião há quase 30 anos, enfatizou a importância da boa convivência. Para ela é imprescindível o respeito mútuo e a responsabilidade por seus atos uma vez que toda ação praticada gera consequências para si. Ao fazer um paralelo com a educação ela informa que, assim como no budismo e na vida, todos são capazes de ensinar e aprender, pois independente da idade, sempre é possível realizar descobertas. Também comparou a relação afetiva entre professor e aluno com sua religião. De acordo com suas palavras: “todos nós somos um Buda!” o que remete ao fato de não existir alguém melhor ou superior. Todos estão no mesmo patamar e são capazes de agir com amor e respeito, basta praticar. A entrevistada acredita que a educação vai muito além do aprender a ler e escrever. Trata-se de um processo contínuo envolto de benevolência e sabedoria que se inicia no nascimento estendendo-se até a morte e que requer uma prática constante. Segundo a praticante desta corrente religiosa o conhecimento não é encontrado apenas em livros e apostilas. Ele está atrelado à sua experiência de vida bem como a dos que o cercam. É observando as lutas diárias que se percebe o verdadeiro significado das coisas e assim é possível construir e /ou desconstruir conceitos e virtudes. Concluindo com as palavras da budista: o que é bom hoje pode não o ser amanhã!

A entrevistada da corrente católica que faz parte desta comunidade há 46 anos destaca como ponto principal de sua religião o amor ao próximo. De acordo com seus preceitos, saber lidar com as pessoas no dia a dia é algo que exige a prática do amor ao próximo e é por meio deste contato que o conhecimento acontece e evolui. É como se existisse uma troca mútua e nesta troca seria possível enxergar o agir de Deus. Ao relacionar sua corrente religiosa com a educação ela também ressaltou o grande valor da boa convivência e como é satisfatório ver o outro aprendendo e crescendo com o seu auxílio. É na dedicação e no cuidado diário que se percebe a busca conjunta para um bem maior. Ela entende que o conhecimento requer uma busca constante, seja ele voltado para a religião ou para a educação, e que o mesmo está interligado ao processo de aprendizagem, pois só quando você compreende a necessidade e a dificuldade do outro é que se torna possível ensinar e ajudar. Também acredita que esperança é uma virtude necessária, pois através dela é possível prosseguir independente dos obstáculos encontrados no caminho. A católica entende a aprendizagem como uma “metamorfose ambulante” que requer um compromisso mútuo e um convívio harmônico no decorrer de todo o processo mesmo que nele se encontrem circunstâncias adversas. Para ela aqueles que sabem conviver e lidar com pessoas e situações possuem papel de destaque tanto na religião quanto na educação.

Finalmente acrescenta-se à lista a entrevistada evangélica que faz parte desta corrente religiosa há 16 anos e traz como ponto chave de sua religião a libertação. Em sua visão, ao compreender a grandiosidade do agir de Deus em sua vida o homem percebe-se pequeno e compreende que sua dependência não está relacionada ao humano e sim ao divino. Assim como sua religião tem o poder de libertar ela vê a educação como quebra de grilhões e acredita que o conhecimento é capaz de gerar uma transformação total do indivíduo. Nesse processo de aquisição do conhecimento todos se modificam, alguns às vezes negativamente, e se tornam livres para buscar conceitos e virtudes que melhor se adequem em sua realidade. Seria como um processo de retirada da “venda da ignorância”, o que possibilitaria um campo de visão mais amplo e evoluído. Ela vê a aprendizagem como algo essencial ao indivíduo e entende a complexidade existente no decorrer deste processo. Sendo assim o saber ler não é menos nem mais importante do que o saber compreender o mundo que cerca cada um de nós. Deste modo, em sua concepção, a educação e a religião estão unidas visando um propósito: desmascarar a desfaçatez da sociedade na qual se vive.

Atualmente a educação é vista como algo muito além do conteúdo trabalhado entre as quatro paredes da sala de aula. O educando precisa enxergar utilidade daquilo que aprende em sua vida cotidiana. As correntes religiosas também visualizam desta forma e buscam trabalhar conceitos e virtudes que geram mudanças significativas no dia a dia de seus praticantes. Tanto o conteúdo escolar quanto o conteúdo religioso busca transformações em sentido amplo. Estes podem ser utilizados como instrumentos de libertação em diversos sentidos, pois em seus aprendizados proporcionam esperança de uma vida melhor. Que esta crise atual sirva como incentivo e que os indivíduos desta sociedade consigam perceber que a educação só é significativa quando é utilizada em seu cotidiano. Não é possível tratar um problema tão sério pensando apenas em “seu próprio umbigo”. É preciso praticar valores os quais a vida em comunidade acabou deixando em desuso e perceber que, independente de sua crença, todo indivíduo é capaz de evoluir e alo em prol do bem-estar coletivo. Portanto, antes de agir pense: é isso que professa a minha fé? É isso que professa a minha educação?

Ambrosina Kellen
Enviado por Ambrosina Kellen em 01/06/2020
Código do texto: T6964575
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