A moça dos meus sonhos

     Ontem eu acordei com a sensação de estar dentro de um lindo sonho, aquele que sonhei sem querer despertar. As borboletas no estômago eram reais mesmo depois de abertos os olhos, mas deu a hora de sair da cama.
Pela primeira vez me ocorreu que o tempo não é meu inimigo, os ferimentos que ardem na alma serão estancados e eu me fortalecerei, já enfrentei outras tempestades antes e estou viva. Apesar de todos os empurrões para que eu me afogasse, ainda estou viva e não cogito desistir.
     Foi um sonho lindo. Da totalidade vivenciada, ajuntei lapsos. Eu era amada. As pessoas olhavam para mim e sabiam que eu estava amando e o sentimento era recíproco, que aquela moça bonita que segurava na minha mão desejava uma vida comigo, não apenas uma noite. A triste observação a se fazer dói no meu pobre coração porque não se tratava de você.
     Já me zombaram muito por buscar uma interpretação para os traços mais marcantes dos meus sonhos. Pode não ser premonição. Pode não passar de carência, afinal de contas, eu nunca fui amada, nunca soube o que é beijar alguém e o corpo todo repercutir o desejo, nunca fui tocada com carinho, nunca ninguém lutou para me ver sorrir, nunca ninguém esperou por mim.
     Busco me conhecer melhor, interpretar o que grita o meu subconsciente sobre cada elemento. Independentemente de ser um sonho aleatório e esquecido como tantos outros, a razão se rende a emoção e as duas dão as mãos: eu almejo amar e ser amada.
     Estou cansada de ser sempre aquela que ama em segredo, vê seu amor indo embora e nada pode fazer contra os golpes duros do destino e no entremeio entre a negação e a superação, padecer às longas esperas, que nada mais me causam senão angústia e insônia. Os rombos deixados delimitam as imensas rodovias de um coração quebrado.
     Saí perdedora de novo. A emoção sobrepujou a razão. Eu não queria me aproximar de você porque sabia que te amava e não queria sofrer de novo a ponto de não segurar o choro na frente dos outros e perder a vontade de executar até as tarefas mais simples. Antes de amar de novo preciso me livrar de algumas crenças limitantes que podem ter ocasionado a "perda".
     Eu nunca me sinto merecedora de amor. Sempre acredito que não posso amar, entregar meu coração, pois todos vão embora. Mantenho uma distância segura e quando dou por mim, estou entregue. Já é tempo de me convencer que embora a partida de alguém seja uma probabilidade impossível de se descartar, eu posso viver meu pedaço de eternidade e compartilhar amor para curar um coração que também já foi muito machucado e ainda se refaz das tantas pancadas sem nunca se amargar.
     Pode não ser você a moça linda dos meus sonhos, aquela que foi recebida pelos meus pais (e eles disseram que eu estava amando porque viam isso nos meus olhos), que segurou na minha mão de tal jeito que eu me senti de novo como se fosse criança e me tratava com um carinho que ainda me é desconhecido. Se eu te disser que sinto o toque dela toda vez que a recordação do sonho vem, acredite, eu sinto. É real.
     Eu me senti abraçada de uma forma tão intensa que pela primeira vez em semanas eu acordei e não senti se formar um nó na garganta ao me dar conta da realidade. Lembro-me de uma amiga minha que quando terminou com o namorado, escreveu-lhe cartas para estancar o sofrimento de um amor ainda tão intenso e já nas missivas finais celebrava quando conseguia passar um dia todo sem chorar ou imaginar que poderia se apaixonar de novo.
     Parafraseando minha amiga, embora estejamos sem contato há um bom tempo (eu lhe mandei mensagens, mas ela não me respondeu), pode ser que te esperar consuma o restante de energia que tenho e eu precise me conformar com a ideia de que o ciclo se fechou. Isso não quer dizer que meu amor se converterá num ódio doente e irracional. Seria incompatível com a gratidão que sempre me fará lembrar de você como uma pessoa que passou pela minha vida e deixou uma marca bonita.
     Se for o momento de esperar, se a vida tiver outros planos para mim, tentarei ao máximo trabalhar algumas limitações pessoais e reverter o retrocesso que sofri. Dei-me conta dele quando te perdi. Questionei-me sobre a coragem de antes, que se agigantou em mim quando me apaixonei por você, aquela vontade ferrenha de lutar pelo meu espaço, fazer minha palavra valer, repensar meus conceitos, sair da bolhinha binária que tanto me oprimia, porque ao me sentir tão sozinha em alguns momentos, o silêncio foi o único que me estendeu as mãos.
     O esgotamento mental e emocional pede a conta: levar duas vidas ao mesmo tempo te conduz ao precipício e basta um pequeno deslize para você cair na escuridão infinita. Meu eu verdadeiro grita para sair dessa caixa onde lhe falta o ar para respirar e aquela caricatura construída para ser aprazível segue sendo oprimida, silenciada, maltratada, mas jamais aceita.
     Então, francamente, meu verdadeiro eu deve tomar o lugar de fala.
     Não, eu não quero me silenciar porque o Pe. Fulano de Tal, escondendo-se atrás da frustração sexual notável em seus discursos sensacionalistas e inflamados, abomina o meu jeito de amar e invalida todas as pessoas que destoam do padrão que ele impõe como o correto.
     Não, eu não quero me esconder porque "parentes" com os quais nem convivo, que nem da minha vida participaram são preconceituosos e emitem opiniões jamais solicitadas porque se eu amasse rapazes, seria julgada da mesma forma e você sabe bem qual seria o motivo. O que eles vão dizer ou pensar não me interessa porque eu já me cansei de caminhar nas pontas dos pés para não pisar em ovos e inflamar meu estômago por tanto engolir o que deveria ser dito em voz alta.
     Não, eu não quero esperar por um príncipe que não existe e ver os anos passarem pela janela, levando embora minha juventude, minha alegria de viver, porque as pessoas não são iguais e acolher meu jeito de amar também é uma forma de me perdoar pelos tantos anos de maus tratos à minha honra, é abraçar aquela menina de 13 anos tão cheia de medo do mundo e lhe dizer que está tudo bem, que ela não está sozinha e tudo haverá de melhorar, é compreender de uma vez por todas que não existe nada de errado com a minha aparência, na minha timidez, nos meus gostos, com as roupas que eu visto.
     Se sua passagem pela minha vida significava me ajudar a encontrar o caminho até o planeta do meu coração, ela foi bem-sucedida. Quem chegar não vai encontrar mais aquela menininha frágil que eu era antes de amar você, aquela que aceitava ser maltratada, ouvir que era "amada como uma irmã", preterida por uma cor de olho, por uma "amiga" talarica.
     Depois de você eu parei de querer reconstruir o passado para aliviar as mágoas deixadas por quem passou pela minha vida, decidi fechar páginas e assumir não mais o papel da vítima, limitando-me aos meus sofrimentos, compreendi que nasci para ser a protagonista da minha própria história e se eu tiver vários finais felizes entre as marés, tudo ótimo, que assim seja, eu aprendo a surfar e ser cautelosa. Algo que não permito é receber menos do que mereço.
     Se você for aquela moça do meu sonho, insisto no que disse acima, estou passando por obras para me transformar na pessoa que gostaria de ter por perto. Se não, obrigada por ter me ajudado a acolher em vez de rejeitar o que fazia parte de mim. Dessa forma, tornam-se reais as chances de algum dia experimentar de olhos abertos o que vivi naquele sonho.
     Enquanto isso, não saia de casa sem necessidade, lave as mãos, evite se contaminar com as notícias ruins, beba bastante água, se exercite, cuide das suas plantinhas, dos seus pets, aproveite para ler bons livros, meditar e saiba que a distância nunca nos afasta de quem amamos sobremaneira. Tudo isso vai passar e seremos pessoas bem melhores.

19/06/20
Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 19/06/2020
Código do texto: T6982059
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