Quase Deus

As reflexões que se encontra nessas linhas são oriundas de algumas divagações que foram suscitadas ao me deparar com o título “Quase Deuses”. Esta frase é a tradução do “Something the Lord Made”, filme que relata uma comovente história de superação. Assisti atentamente à obra, tive diligência na apreciação de cada detalhe para compreender como humanos se tornam quase deuses ou, simplesmente, semideuses.

Ao final do filme, o questionamento ainda me perturbava “o que faz o homem se tornar um semideus? ”, pois a superação não é uma demonstração de divindade. Em um esforço para sanar minha inquietude, surge o presente texto que tenho o prazer escrever e você o (des)prazer de ler. A primeira indagação que apresento se volta para um prefixo que confere atributos de um ser e de um não-ser à substância que o procede, contornando um terceiro objeto: o prefixo semi.

Ora, por que semideus e não tão somente Deus? Antes de tudo peço desculpas, pois a resposta para tanto se encontra na minha incompetência. Não consigo conceber em figuras humanas o signo da divindade, com uma exceção que tratarei mais à frente, e como toda representação é limitada pela mão que manuseia a caneta, e considerando minha incompetência de imaginar um Deus entre homens, me limito a falar dos semideuses.

Ao evocar essa reflexão, peço que desvincule a cosmovisão grega do conceito de semideus aqui exposto. Sei bem do potencial de assimilação dos homens para compreender, mesmo que insuficientemente, imagens que lhe são estranhas. Em razão desse aspecto, cabe aqui distinguir no que meu onírico personagem se difere dos personagens gregos.

Deuses gregos traem, adulteram, matam motivados pela vaidade, pelo medo, pelo desejo... é desnecessário dizer que esta é a manifestação mais elevada da ontologia humana. Natureza essa exaustivamente exposta pelos dois extremos dessa discussão: do lado da humanidade, as reflexões do Maquiavel, da divindade, Jesus Cristo (mais uma vez minha incapacidade limitando esta discussão).

Também não creio que ser percebido como Deus por seres acometidos pela ignorância ou que a imortalidade humana, que é advinda de feitos extraordinários, mas não divinos, faz do homem semideus. O tempo, tão esclarecido dessa verdade, não se apressa em desmentir tais histórias. São tantos os exemplos de homens que foram concebidos como Deuses e foram condenados pela natureza humana que não se faz necessário me alongar muito neste ponto.

A imagem do semideus que tento descrever é fruto dos dois polos dessa reflexão já citados, Jesus Cristo e Maquiavel. Antes de prosseguir, destaco que concebo Jesus como Deus, como disse anteriormente, a representação é limitada pela mão de quem manuseia a caneta, e quando olho para elas e penso na divindade, não me vem imagem à cabeça senão uma cicatriz deixada por um prego. [É importante colocar que respeito todas as formas de fé, bem como sua ausência. E hoje, já maduro e esclarecido, compreendo que a fé é subjetiva, ademais, julgamentos acerca de formas de culto são injustos e ignorantes].

O meu personagem traz características de Jesus que minha compreensão contempla: inteligência, perspicácia, argumentação, poderes metafísicos entre uma infinitude de outras qualidades, exceto uma: o amor, logo o meu personagem é a imagem do filho do homem sem amor. E se no lugar dessa divina qualidade fosse posto maldade, vilania ou crueldade, isto conferia a humanidade almejada ao personagem?

A resposta é não, tal abundância de humanidade necessária a esses sentimentos romperia o equilíbrio natural do semideus por mim imaginado. O que proponho para completar essa lacuna é a astúcia do Maquiavel. Um ser que tem o discernimento para equacionar os níveis de temor e amor, que entende a dissimulação do homem e com os poderes necessários para agir livre dos grilhões da humilhação, como o Maquiavel estava no ato de sua obra emblemática, para mim, é o verdadeiro semideus.

Obrigado por ler até aqui.

Luiz do Paulista
Enviado por Luiz do Paulista em 05/07/2020
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