Hoje eu quero paz

Saio. Outros ares hão de renovar minhas narinas. Não vim ao mundo para ser cocho ou no prumo. Mas, às vezes, enfado-me com certas tortuosidades. Elas me captam e me pedem sentido, direção, entendimento.

Eu não! Não quero entender nada mais. Sonho apenas brisa no rosto, olhar de remanso e ternura sutil. Que sejam presentes, a ponto de me deixarem naturalmente simples, sem nenhuma explicação.

Não tenho obrigação de compreender nada. Alimento-me da anarquia dos signos e dos seres, que dançam a melodia aleatoriamente executada, não sei por qual cantor, nem vinda de que lugar.

Sim, o passo certo é aquele que não pisa a lama. O passo em falso é o que impingi o estilete para sulcar a pele da alma de cima a baixo, extraindo dela o sangue que ninguém no mundo pode apreender.

Por que, logo eu, tenho de me haver com descrições, detalhes, conotações e denotações? Repito: eu não! Há quem me rodeia e vai, à lá pedra e verniz, levando a vida que não fala e expressando a vida que não diz. Mas eu não. A gratuidade da chuva que me cobre a cabeça há de fecundar também meu chão profundo. De lá, como flores desabrochando por desabrochar, em mim nascerão sorrisos, ou prantos, mas todos do meu próprio território, dos meus próprios passos e das minhas próprias narinas renovadas.

A vida, convenço-me, só é possível quando dançada. Naturalmente acolhida. De certa forma, humanamente ignorada.

Não buscar sentido é minha maneira de ignorar a vida. Bem isto: eu não vou correr atrás dela; se ela requer algum sentido, que trate ela própria de criá-lo. Posteriormente, se entender que sou digno do mimo, que venha até mim e me traga o entendimento daquilo que, pelo menos por hoje, não faço a mínima para saber.

Só estar! Sim, hoje eu quero paz.