Saudade Imediata

Saudade é ausência. Saudade é desejo de possuir o existente que está geometricamente intocável, além do horizonte. Convém apenas observar que a saudade é uma questão física, ou seja, um nicho dentro de nós que seria satisfeito ao ver o ser saudoso. Enquanto o ser estiver ausente, é comum se apegar a todas as forças, de fato; às lembranças, aos objetos do outro (cartas, fotos, etc.), somente para dar à saudade uma textura mais suave.

Logo, tocamos e tateamos as coisas, acariciando, como se estivesse apalpando uma parte do outro; uma ilusão nostálgica-desesperada. Não obstante, quando o outro finalmente nos aparece, algo como um cimento é derramado na cavidade deixada pela saudade. Concluímos então que o que descrevemos acima é a saudade comum, não-imediata. Comprovamos, com efeito, outro fator: a saudade em seu estado mais puro, uma saudade-imediata, isto é, uma dor que não demora para atingir seu estado mais desalentador, que seria a morte do outro. E, sem dúvida, é na morte do sujeito que constato que a saudade mastigou definitivamente o ser em si. Não há mais esperança, por sua vez. Apenas resta o reino da memória, dos objetos do ente falecido. O último e doce momento sobretudo, será ele; estático e imóvel no seio do caixão. Ainda poderei vê-lo, tocá-lo mais uma vez, sentir sua pele fria. Eis, decerto, que chega o momento em que o sarcófago é tragado pela terra: o derradeiro adeus à matéria que me completava. As lágrimas descem copiosamente: o físico que me saciava está sendo escondido, em segredo, subjacente no pó. Um dia destes, quem sabe, um pensamento mórbido lhe atingirá para roubar o corpo, de algum modo, e embalsamá-lo, conservá-lo em seu vale-dos-reis, como sua múmia. Não importa o que faça, desde que a saudade seja saciada por uma sensação de plenitude física concreta.

Cleber Graüth
Enviado por Cleber Graüth em 20/10/2007
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