No colo da Tempestade
No colo da Tempestade
Sobre a minha cabeça o tamborilar da chuva espanta o sono que ameaça me sequestrar da vigília
No céu, peregrinas estrelas navegam sem rumo na penumbra dessa escassa e fugidia Lua Cheia de Agosto
Enquanto eu, em minha angústia terrena, procuro por um deus que não me supre e nem pode ser encontrado, pois o paraíso não me parece nada atraente.
No bramido furioso e noturno do mar a minha inspiração perdeu a sua bússola; o gemido lúgubre do vento afasta os meus parcos e desvairados devaneios...
Sou somente eu e as minhas personagens num convescote a discutir a passagem dos anos, a relembrar os amores e desamores que se foram como folhas noutonais.
Esparsamente, ouço inflamados poetas a declamarem estrofes que não viveram, enquanto assisto, impávido, o desfilar de musas enregeladas, protegidas em cachecóis de fastio.
O banho de chuva, a resgatar a esquecida criança, não me repõe a calma; o livro, largado a meio, me reprova silenciosamente; minhas fibras musculares requerem mais atenção.
A insanidade da vida me choca profundamente; e nem sequer esta devastadora pandemia me recoloca na trilha segura da compreensão dos eventos
A agonia de uma árvore que tomba, a poucos metros de mim, vergada pela fúria dos elementos, fere mortalmente a minha dormência, a espantar para longe a distopia que me avassala a alma.
Me vem à memoria, inopinadamente, as agruras de Dostoievski na Casa dos Mortos, e corro a me consolar nas sábias asserções de Riobaldo para o seu atento ouvinte Quelemen:
Desperta, Homem! A vida se faz e se desfaz num num interminável cortejo de rasgos e remendos, de sonhos e pesadelos, e destes só saímos quando a Donzela de Ferro nos convida pra passear.
Terras de Olivença, madrugada de quarta-feira, ainda com a Lua Cheia de Agosto de 2020 a brilhar no céu.
João Bosco