O dia que dura uma vida inteira

Vivo sempre o mesmo dia e termino-o com aquela sensação de frustração, impotência e fracasso porque mais uma vez eu me vejo vivendo o mesmo drama de outrora, apenas o cenário e os nomes dos personagens modificaram-se. Aquele buraco profundo e infinito onde reside a melancolia abriu-se em meu coração e eis que o isolamento voluntário me convém porque destrinchar sentimentos tão profundos para pessoas rasas e hipócritas me desnudaria, me exporia de tal maneira que eu não suportaria mais estar na minha própria pele porque para o espelho eu não olho de verdade há muito tempo e não há nada lá que eu deseje contemplar.

Pergunto-me o porquê de isso me acometer novamente e numa intensidade mil vezes mais caótica que outrora, quando ainda me restava alguma força para ao menos escrever e ocupar as longas horas nubladas com laudas e mais laudas de sonhos que hoje não fazem mais o menor sentido porque quem eu espero encontrar está muito longe e não se substitui uma pessoa apenas colocando outra no lugar, não quando ela mora no seu coração, não quando a lembrança ainda é vívida e a esperança de que o ponto dado não tenha sido o final, mas o predecessor de um novo parágrafo, ou melhor, de um novo capítulo, redigido com a fonte mais bela, espaçado, revisado e direto.

O ritmo dos versos natimortos é soturno. Estou cercada de folhas secas, galhos finos e frágeis que não resistiram a impetuosidade dos gélidos ventos desse interminável inverno. Eu olho para o vidro embaçado e não mais desenho um coração, apenas espero dormir a noite inteira e sonhar, sonhar com o que quer que seja, mas por algumas horas não carregar na alma o peso dessa dor que preciso suportar sozinha, sozinha como sempre fui.

Pergunto-me se estou brigando com o meu destino no lugar de aceita-lo, por pior que seja o meu carma. Amar pessoas que vão embora não é algo que eu deseje a ninguém porque todo mundo deveria experimentar a sensação plena e doce de um amor possível, correspondido, calmo, todo mundo deveria ter o coração reconstruído após conhecer alguém que ama sem reservas e sem medo do que pode acontecer. Temo que a solidão eterna seja meu maior castigo porque mais frustrante que o “não” é ver todos encontrarem seus pares no baile da vida e você ser aquela pessoa que passa a noite toda sentada numa cadeira fria e desconfortável no salão.

Seria prudente desistir do amor porque já cheguei a uma idade na qual a maioria das mulheres já se casou e constituiu família ou parar de me comparar com quem parece levar uma vida perfeita e clichê?

Ora, dizem sempre que o gramado do vizinho é mais verde.

Que atire a primeira pedra quem nunca se comparou com alguém que tem a mesma idade que você e parece ter nascido com uma sorte absurda nas amizades, no amor, na carreira, que já atingiu o topo e agora experimenta a melhor época da vida, enquanto você nunca teve nada de mão beijada, precisa lutar o triplo para ter o mínimo que essa pessoa tem, trombou com tantos amigos falsos, no amor coleciona desilusões e rejeições e na carreira quando não é preterida, não se encontra em lugar nenhum.

Não me levem a mal, eu consigo me alegrar com as conquistas de outras pessoas, até das que nem conheço e convivo, porém às vezes sinto uma coceira na alma quando vejo uma moça da mesma idade que eu levando a vida que eu sonhava, amando como eu gostaria de ser amada, reconhecida no que faz, amada por todos e eu me perguntar por que os caminhos dela foram compostos de estradas retas e sem obstáculos enquanto eu troto por curvas íngremes e me arranho com os espinhos, a luz que me guia talvez eu chame de Deus, talvez de teimosia, não se sabe, mas sinto que dei errado e não sei de que modo pedir perdão a mim mesma. Desisti até de querer morrer porque nem para esse intento eu fui bem-sucedida. Se fosse, pelo menos teria acabado com esse ciclo nefasto aos 21, quando na realidade eu ainda tinha conserto e parte dos meus sonhos ainda era viável.

Peço perdão pelas altas expectativas que criei em relação a mim mesma? Por ter sonhado sem mensurar que não havia garantia de nada? Peço perdão pelos maus tratos a mim mesma? Digo o quê para os sonhos que se apagaram como estrelas mortas?

Abro espaço para as reticências, pois interrogações eu somo dezenas, centenas, já não há mais canto vago em minha alma para tal. Para muitos dos meus questionamentos nunca haverá uma resposta única e direta e eu estou farta de achismos, suposições, foram caminhos tão traiçoeiros quanto trilhar um labirinto sem guiar-me. E para o que ainda não sou capaz de entender, quiçá o tempo me conceda serenidade e humildade para aceitar os fatos e não me culpar pelo que nunca dependeu de mim.

Enquanto isso olho as horas repetidas no relógio, as palavras já redigidas e espero que elas façam algum sentido e ajudem o nó na garganta a se desprender porque ele me sufoca tanto, mas tanto que o peito pesa e os olhos ardem, eu queria um abraço e ninguém pode me dar, como trazer de volta quem nunca deveria ter ido embora, remendar cada pedaço quebrado do meu coração para ao menos eu ser... útil.

— 21/09/2020

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 21/09/2020
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