Ideologia.

A mente humana não consegue descrever ou classificar em totalidade o que percebe. Por exemplo, dá-se o caso em que uma pessoa segura um lápis frente a outra e lhe pergunta “O que é esse objeto?”. Ocorre que esse objeto pode ser classificado quanto à sua função, lápis. Material constituinte, Madeira e grafite. Física, um ponto desprezível de matéria em um universo infinito. Química, compostos alotrópicos de carbono. Arte, uma ferramenta de desenho. Infinitas classificações. Toda via, todas as pessoas respondem indubitavelmente que é um lápis. Caso a pergunta fosse feita em um laboratório de química, talvez respondessem quanto à química, ou em um de física, quanto à física.

O exemplo citado se expande para todos os campos quando alguém classifica relações pessoais, de trabalho, de afeto, de Eros, de ensino entre outras. Mas, assim como ao lápis, a classificação é dada a depender da perspectiva do classificador, que é regida não individualmente, mas coletivamente pelo meio em que se encontra. Porém, em contraposição ao lápis, os laboratórios não são separados por áreas de conhecimento, entretanto são muito mais complexos porque não classificam objetos inanimados, mas pessoas.

As ideologias nada mais são que as diferentes perspectivas de observação do mundo em que o homem vive, regidas pelos mais diversos meios de propagação. Igrejas, escolas, empregos, palestras, propagandas, pesquisas, as artes, todos influenciam na modelação de ideologias. A ideologia não é apenas a opinião do indivíduo sobre o mundo que o cerca, mas sim a sua identificação com ele, o seu lugar na sociedade e nos seus complexos sistemas, essa rege todo o modo de vida do ser, incluindo a sua identificação consigo mesmo.

Eu, James Cavalcante, aluno do IFPI, nascido em uma tradição cristã de vertente evangélica pentecostal, residente em uma pequena cidade no interior do estado do Piauí com uma cultura muito forte, sou repleto de ideologias. As minhas ideologias regem minha perspectiva sobre relacionamentos conjugais, e o fato de ter 16 anos e permanecer virgem no ano de 2020 é a prova do comprometimento com minhas ideologias. Infelizmente, sou cercado por pessoas com ideologias mais fortes que as minhas e que mascaram o preconceito e alimentam discursos de ódio fundamentados em escritos criados em um contexto sociocultural histórico de milênios atrás, sem compreender o real intuito daquilo que leem.

Vejo mulheres cujas vozes não são ouvidas dentro da igreja, e não têm ao menos direito de participação ativa ao nível dos homens. São submetidas a um processo de acomodação em submissão aos desejos masculinos e em servidão ao pai, ao irmão, ao marido, e até mesmo aos filhos em alguns casos. Todo esse discurso é retirado de cartas escritas por missionários religiosos falecidos a milênios em uma sociedade que via mulheres como motivo de pecado para o homem, assim como era um objeto a ser possuído tão valioso quanto o gado que estava sob o domínio dos senhores. Vivo frente a um discurso que influencia na morte de milhares de mulheres todos os anos, agressão física e psicológica, traumas, medo ao andar na rua, estupro. Vejo uma sociedade de pessoas que vivem o inferno por causa das ideologias que prometem dele livrá-las.

Essa é uma das faces da presença da ideologia na minha vida, em meio a tantas outras tão destrutivas quanto.

Cavalcante J
Enviado por Cavalcante J em 20/10/2020
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