Ninguém.

Ser ninguém não é tarefa insignificante. Ninguém é sublime, é delicado. Quando se é alguém, é apenas um. Mas Ninguém é uma infinidade de possibilidades. Ninguém mergulha no oceano e sai pelo lado oposto, que dá às portas do universo. Ninguém anda de olhos fechados em mil labirintos de paredes doces. Gostoso é perder-se num destes labirintos com a língua de fora, sentindo o sabor da escuridão e do silêncio.

Ser alguém é esbarrar na questão do "ser ou não ser" e no fim ser vencido ou ser a todo custo. Alguém faz barulho, fala muito. Ninguém pensa, imagina e cria nas sombras, na lúgubre floresta do anonimato. Quem se atreve a passar uma noite nesta floresta perde o medo. Lá, até os fantasmas noturnos são coloridos, e sua passagem entre as folhagens produz um som delicado como um silvo. E mesmo o vento gélido que sopra faz com que o viajante tenha a deliciosa sensação de se encolher todo debaixo do cobertor quentinho. Assim é a floresta do anonimato.

Ninguém não tem nome. Ninguém precisa amar ou ser amado. Ninguém se esconde na hora em que alguém está por perto. Ninguém vai aos lugares vazios. Ninguém ouve a música dos deuses. Ninguém vê o invisível. Ninguém lê os melhores livros. Ninguém ama e ouve os pássaros. Ninguém é feliz num mundo triste.